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Editorial

A Alemanha procura seu caminho

Eleições na Alemanha
Friedrich Merz, líder do bloco CDU/CSU, o mais votado nas eleições alemãs de fevereiro. (Foto: Clemens Bilan/EFE/EPA)

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Nas eleições parlamentares realizadas em 23 de fevereiro, a Alemanha repetiu, ainda que em menor grau, o fenômeno ocorrido na França em julho do ano passado: os eleitores migraram das forças políticas mais tradicionais, seja de centro-direita ou de centro-esquerda, para a direita nacionalista e a esquerda radical. O Partido Social-Democrata (SPD), do atual chanceler, Olaf Scholz, ficou apenas em terceiro lugar, superado pelo bloco conservador formado por União Democrata-Cristã e pela União Social Cristã (CDU/CSU – esta última atua apenas na Baviera) e pela Alternativa para a Alemanha (AfD). Em quarto lugar, veio o Partido Verde e, em quinto, os radicais do partido A Esquerda.

O cenário mais provável no momento é uma coalizão entre a CDU/CSU – liderada por Friedrich Merz – e o SPD, embora Scholz tivesse dito já no domingo, após a divulgação da boca de urna, que não participaria de eventuais negociações. As duas grandes forças políticas alemãs ainda têm, juntas, 328 cadeiras, suficientes para formar maioria em um parlamento de 630 membros. Mas nenhuma delas pode realmente comemorar os resultados. Os 28,5% de votos e 208 cadeiras da CDU/CSU correspondem ao segundo pior desempenho da história do bloco, melhor apenas que o de 2021. O SPD, por sua vez, não ia tão mal desde o fim do século 19: teve o voto de 16,4% do eleitorado e elegeu 120 deputados, 86 a menos que na eleição anterior.

Se os partidos tradicionais não compreenderem a insatisfação que leva o eleitor alemão a migrar para as pontas do espectro político, acabarão engolidos nas próximas eleições

Por outro lado, a AfD dobrou sua votação em relação a quatro anos atrás, subindo para 20,8%, e conquistou 152 cadeiras, 69 a mais que em 2021. Na outra ponta, o partido A Esquerda elevou sua votação de 4,9% para 8,8%, e passou de 39 para 64 parlamentares. Merz rechaça veementemente a possibilidade de uma aliança com a AfD, mantendo a direita nacionalista fora do governo. Os líderes da AfD parecem resignados com a possibilidade de não integrar a coalizão majoritária, mas dizem que não poderão ser ignorados por muito mais tempo. “A próxima eleição chegará e então ultrapassaremos o CDU como o partido mais forte”, disse a líder da AfD, Alice Weidel. “O CDU com Friedrich Merz não trabalhará com o AfD, [mas] haverá um CDU depois de Friedrich Merz, e esse CDU terá de trabalhar junto com o AfD”, prometeu o líder da ala jovem do AfD, Hannes Gnauck.

A previsão de Gnauck se tornará realidade se os partidos tradicionais não compreenderem a insatisfação que leva o eleitor alemão a migrar para as pontas do espectro político – e avisos não faltam, desde a eleição de junho do ano passado para o Parlamento Europeu até a eleição parlamentar francesa, que criou um impasse insolúvel em Paris. A economia alemã está estagnada, e as políticas de abertura ampla à imigração que marcaram boa parte dos 16 anos de governo de Angela Merkel já atingiram seu limite. Um desafio adicional surgiu com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos: o republicano se mostra cada vez menos disposto a colaborar com a Europa na defesa do continente, forçando os países europeus a elevar o gasto com defesa diante de uma Rússia cada vez mais imperialista. Esta necessidade, no entanto, esbarra em uma regra orçamentária que impede déficits maiores que 0,35% do PIB – e na Alemanha, ao contrário do Brasil, as âncoras orçamentárias são levadas a sério. Mudar a regra, no entanto, exige uma supermaioria que CDU/CSU e SPD não têm.

Reavivar uma economia em crise, modernizar o poderio militar alemão e implantar políticas migratórias que acalmem a população já são desafios suficientemente complicados, mas Merz ainda terá de atacá-los sabendo que, à esquerda e à direita, há partidos em ascensão, esperando um deslize para capitalizar em cima de um eventual fracasso nas próximas eleições. O provável futuro chanceler se referiu aos resultados de fevereiro como “o último sinal de alerta para que os partidos políticos do centro democrático da Alemanha encontrem consenso”, mas só isso não bastará caso o consenso não se concretize em ação.

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