Em uma disputa muito mais equilibrada do que as pesquisas de opinião indicavam, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula (PT) foram para o segundo turno da disputa pelo Palácio do Planalto. Bolsonaro chegou a liderar a apuração durante boa parte do tempo, mas Lula o ultrapassou na metade final da contagem de votos e terminou com cinco pontos porcentuais de vantagem, considerando-se apenas os votos válidos. A estratégia petista de pedir o “voto útil” em Lula para encerrar a disputa já no primeiro turno não prosperou por apenas 1,7 ponto porcentual, a quantidade que faltou para Lula superar a barreira dos 50%.
E, justamente porque este primeiro turno foi mais acirrado que o previsto, novamente o desempenho desastroso dos institutos de pesquisa deve ganhar relevância, a ponto de ter sido destacado na imprensa internacional. A eleição de 2018 foi marcada por erros nada menos que grotescos, em que os resultados reais foram radicalmente diferentes daqueles apontados às vésperas do pleito. Foi assim com os desempenhos de Romeu Zema em Minas Gerais, Wilson Witzel no Rio de Janeiro, e Carlos Moisés em Santa Catarina; ainda que se possa alegar que pesquisas são “retratos de momento”, em nenhum desses casos houve algo que pudesse causar tamanha reviravolta em poucas horas. Os erros foram ainda mais numerosos na disputa para o Senado, na qual, alegou-se à época, o fato de haver duas cadeiras em jogo levou a muitas escolhas de última hora que desbancaram candidatos cuja eleição era dada como certa, como Roberto Requião e Beto Richa no Paraná, Dilma Rousseff em Minas Gerais, José Fogaça no Rio Grande do Sul e Eduardo Suplicy em São Paulo.
Jogar a culpa dos erros de 2018 nas costas de uma suposta volubilidade do eleitor foi apenas uma maneira de empurrar o problema para a frente, e ele volta a explodir bem diante dos institutos, que precisam admitir que o produto que entregam não está correspondendo ao que se promete
Quatro anos depois, houve uma nova série de erros bastante significativos, como o desempenho do ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas (PL), que vai para o segundo turno em São Paulo com sete pontos de vantagem sobre um Fernando Haddad (PT) que era o líder absoluto das pesquisas. Ou a reeleição em primeiro turno do fluminense Cláudio Castro (PL), quando as sondagens davam como certo um segundo turno contra Marcelo Freixo (PSB). A situação não foi diferente em disputas para o Senado – desta vez, sem a desculpa das duas vagas –, em que houve erros significativos em estados como o Espírito Santo, onde Magno Malta (PL) derrotou a líder Rose de Freitas (MDB); Paraná, em que Sergio Moro (União Brasil) venceu e Alvaro Dias (Podemos), líder das pesquisas, terminou em terceiro lugar; São Paulo, onde Marcos Pontes (PL) desbancou Márcio França (PSB) por 13,5 pontos porcentuais de vantagem, quando a pesquisa mais benéfica ao ex-ministro o mostrava rigorosamente empatado com o ex-governador paulista; e Rio Grande do Sul, onde o general Hamilton Mourão (Republicanos) se elegeu senador apesar de figurar em terceiro lugar nas pesquisas.
Por fim, é preciso também mostrar que, assim como ocorrera em 2018, a performance eleitoral de Bolsonaro no primeiro turno foi amplamente subestimada por todos os principais institutos de pesquisa. Enquanto a votação de Lula pode ser considerada dentro da margem de erro das pesquisas, ou muito próxima dela, várias sondagens de véspera colocavam o atual presidente com menos de 40%. Este fato, aliás, chama a atenção para um “padrão” nos erros de 2018 e 2022: os candidatos cujas votações são bem superiores ao projetado pelas pesquisas costumam ser conservadores, de centro-direita ou direita; já aqueles com intenções de voto “infladas” nas pesquisas são seus oponentes de centro-esquerda ou esquerda, como ocorreu agora com os paulistas Haddad e França.
Que isso tenha ocorrido em duas eleições gerais sucessivas é sinal de que existe algo muito grave no mundo dos institutos de pesquisa. O “retrato do momento” está desfocado, distorcido, alterado por lentes coloridas. Na melhor das hipóteses, metodologias equivocadas estão levando a resultados radicalmente diferentes da realidade – algo que deveria ter sido corrigido já a partir de 2018, tamanhas as diferenças entre o que diziam as pesquisas e o que disseram as urnas. Jogar tudo nas costas de uma suposta volubilidade do eleitor foi apenas uma maneira de empurrar o problema para a frente, e ele volta a explodir bem diante dos institutos, que precisam vir a público e fazer seu mea culpa, admitindo que o produto que entregam não está correspondendo ao que se promete.
Também a imprensa, com este episódio, precisa rever o tratamento que dá às pesquisas de intenção de voto. Já há muitos anos a Gazeta do Povo, por exemplo, fez a opção de não destacar como manchetes os resultados de tais pesquisas, limitando-se a apresentar seus dados ao leitor-eleitor como um serviço relevante, pois “os resultados divulgados têm potencial de influenciar decisões de partidos, de lideranças políticas e até mesmo os humores do mercado financeiro”, como escrevemos ao fim de cada publicação com dados de pesquisas eleitorais. Se essa influência está ocorrendo como resultado de números enviesados, mesmo que de forma não intencional, é chegada a hora de outros veículos se questionarem sobre a real dimensão que tais pesquisas merecem em seu noticiário.
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