Os votos ainda não terminaram de ser contados, mas a recente eleição para o Parlamento Europeu, realizada entre os dias 6 e 9, já pode ser considerada um sucesso para legendas de centro-direita e de direita, que ampliaram sua participação à custa de cadeiras antes ocupadas por partidos de centro-direita ou com plataformas mais específicas, como os chamados “verdes”. O resultado já teve efeitos drásticos dentro de alguns países, como a dissolução da Assembleia Nacional francesa e a convocação de novas eleições após o presidente Emmanuel Macron ver seu partido ser superado em larga margem pela Reunião Nacional, de Marine Le Pen; e a renúncia do primeiro-ministro da Bélgica, derrotado pela direita nas eleições locais realizadas simultaneamente às eleições europeias. No entanto, este é um avanço que precisa ser melhor compreendido, tanto pela natureza institucional peculiar da União Europeia quanto pelas características distintas que marcam o que se convencionou chamar de “direita” na Europa.
O primeiro ponto a se considerar é que a mudança não foi suficiente para alterar o balanço de forças dentro do Parlamento Europeu, onde os partidos políticos nacionais se filiam a blocos com certa coesão ideológica. Os partidos mais à direita estão divididos em dois blocos: o Identidade e Democracia inclui a Reunião Nacional (França), a Liga (Itália) e o Chega! (Portugal); já o Reformistas e Conservadores Europeus conta com o Irmãos da Itália (partido da premiê Giorgia Meloni), o espanhol Vox e o polonês Lei e Justiça como os principais componentes. Outros partidos, como o Alternativa para a Alemanha, não pertencem a bloco nenhum. Os dois blocos de direita devem aumentar sua presença no Parlamento Europeu, mas não a ponto de destronar o Partido Popular Europeu, de centro-direita, que continuará sendo a principal força no órgão, formando maioria com o segundo maior bloco, o Socialistas e Democratas (de centro-esquerda), e com outro grupo de centro, o Renovar a Europa.
De qualquer forma, ainda que a direita e a centro-direita tivessem eurodeputados suficientes para formar uma maioria prescindindo da centro-esquerda, isso não teria um efeito prático muito grande. Apesar do nome, o Parlamento Europeu não tem todos os poderes “clássicos” de um Legislativo nacional; divide a função legislativa com o Conselho de Ministros e não pode nem mesmo iniciar o trâmite de um projeto, tendo de esperar (no máximo, solicitar) que a Comissão Europeia tome a iniciativa. Onde o Parlamento Europeu tem mais importância é exatamente na escolha do presidente desta comissão, parte do braço executivo da UE; o posto é ocupado hoje pela alemã Ursula von der Leyen, do PPE.
Nada disso nos leva a minimizar a importância do resultado eleitoral desses últimos dias, inclusive porque eles são um termômetro de possíveis mudanças dentro dos Estados-membros da UE, com o primeiro teste dessa onda ocorrendo na França, em 30 de junho. Mas o fato é que uma repetição em nível nacional do desempenho da centro-direita e da direita na eleição europeia não é garantia nenhuma de que a Europa estaria caminhando para uma única direção, mais “conservadora”. Isso porque não há exatamente uma, mas várias “direitas” na Europa.
O conservadorismo moral, por exemplo, em temas como a defesa da vida e da família está longe de ser uma unanimidade; a bem da verdade, está mais para uma exceção representada especialmente pelo Irmãos da Itália e pelo polonês Lei e Justiça – basta recordar que a Reunião Nacional deu amplo apoio à inserção do direito ao aborto na Constituição francesa. O livre comércio é outra pauta que algumas legendas europeias de direita e centro-direita veem com desconfiança, especialmente em países com um setor agrícola relevante; ao incentivarem protecionismo e subsídios, esses partidos podem até mesmo ajudar a derrubar de vez o cambaleante acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Em relação à política externa, mesmo com o imperialismo russo mostrando na Ucrânia a barbárie de que é capaz, há direitistas europeus aliados de Vladimir Putin, caso do húngaro Viktor Orban. No fim das contas, as únicas plataformas que costumam unir a maioria dessas legendas são a defesa de políticas migratórias mais restritas, tema que aflige a Europa já há muitas décadas, e a oposição à hipercentralização que marca a atuação recente da UE.
Talvez este último ponto seja um dos possíveis efeitos mais interessantes da tendência surgida nestas eleições europeias. Os idealizadores do que viria a se tornar a União Europeia jamais quiseram um órgão que atropelasse soberanias nacionais, e sim que trabalhasse com seus membros no espírito de subsidiariedade. Se essa eventual resistência ao ímpeto centralizador e por vezes até autoritário da UE vier acompanhada – seja em nível europeu, seja em nível nacional – de avanços na defesa da vida e da família, das liberdades individuais e econômicas, e da capacidade de ficar do lado das democracias contra os valentões imperialistas, ainda melhor; mas, neste exato momento, diante da heterogeneidade dessas tantas “direitas” europeias, ainda é cedo para dar muitas asas a essa esperança.
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