Por décadas, a esquerda contribuiu para que o crime organizado ganhasse a dimensão que tem hoje. Desde o “no meu governo polícia não sobe morro” de Leonel Brizola nos anos 1980, passando pela oposição sistemática dos partidos de esquerda a qualquer projeto de lei que endurecesse o combate à criminalidade, chegando à ação do PSB no Supremo para proibir operações policiais nas favelas cariocas durante a pandemia, a construção desse clima de leniência permitiu que o tráfico e as milícias se fortaleceram a ponto de constituírem Estados paralelos. Para qualquer cidadão com o mínimo de bom senso, a realidade já havia se imposto havia muito tempo, mas para o petismo foram necessárias a execução de um grupo de médicos e cenas de guerra civil, com dezenas de ônibus queimados no Rio de Janeiro. E a resposta foi típica do governo Lula: um factoide de efetividade zero.
Em 1.º de novembro, Lula assinou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que entrou em vigor na última segunda-feira e durará até maio de 2024, envolvendo 3,7 mil militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. As tropas atuarão nos portos de Santos (SP), Rio e Itaguaí (RJ), e nos aeroportos internacionais de Guarulhos (SP) e do Galeão (RJ). O objetivo é o de asfixiar o crime organizado, inclusive financeiramente, e conter o tráfico de drogas e armas. Os militares terão poder de polícia nos saguões dos aeroportos e nas áreas de movimentação de aeronaves, bagagens e cargas, bem como poderão revistar embarcações, fazer inspeções navais e agir nas vias de acesso aos portos.
Em vez do trabalho árduo e invisível, que muitas vezes leva anos para dar resultado, o que Lula e Flávio Dino oferecem é exibicionismo que serve apenas para fins propagandísticos e para avisar aos criminosos que locais eles devem evitar
Tudo tão cinematográfico quanto diversionista. Como lembrou Deltan Dallagnol em sua coluna na Gazeta do Povo, os verdadeiros centros de poder do crime organizado estão nas favelas, aqueles mesmos locais onde nem as polícias podem mais entrar; além disso, o anúncio governamental terá o efeito óbvio de desviar qualquer possível atividade criminosa realizada pelas facções criminosas nos três portos e dois aeroportos para outros locais que não estejam cobertos pela GLO – os portos excluídos do decreto, aliás, respondem por nada menos que 80% do transporte internacional de cargas e incluem alguns dos principais pontos de saída de drogas do Brasil. Também já se sabe há muito tempo que, embora as drogas costumem deixar o país pela via portuária, elas chegam ao Brasil principalmente por via terrestre, assim como as armas do crime organizado – no caso das armas, a principal porta de entrada é a região da Tríplice Fronteira; já a cocaína entra pelas fronteiras com os países andinos. E para reforçar a vigilância nas fronteiras terrestres não seria necessário nenhum decreto de GLO, porque as Forças Armadas já atuam ordinariamente nessas áreas, em parceria com a Polícia Federal, como admitiu o ministro da Justiça, Flávio Dino, durante o anúncio da GLO.
Por mais que o crime organizado tenha se tornado uma hidra aparentemente impossível de derrotar, experiências passadas já demonstraram que o caminho para cortar tantas cabeças inclui muita inteligência policial combinada com o elemento surpresa nas ações; o isolamento dos líderes presos; o endurecimento da lei para permitir que os bens oriundos do crime sejam colocados à disposição do Estado; melhoria das leis penais e processuais para combater a impunidade; e a retomada das áreas urbanas e também das prisões controladas pelo tráfico ou pelas milícias. Em vez disso, o que Lula e Flávio Dino oferecem é uma pirotecnia que serve apenas para fins propagandísticos e para avisar aos criminosos que locais eles devem evitar.
Não é preciso ter poderes de clarividência para prever que, daqui a seis meses, o tráfico e as milícias continuarão exibindo armamento que as polícias e até os militares só podem sonhar em ter; que o Estado não terá recuperado uma única rua hoje em poder dos criminosos; que as áreas campeãs em homicídios continuarão tão perigosas quanto são agora. Isso porque, em vez do trabalho árduo e invisível, que muitas vezes leva anos para dar resultado, Lula aposta em exibicionismo inócuo enquanto, nos bastidores, a esquerda continuará a praticar sua bandidolatria habitual, respaldada por intelectuais que enxergam “lógica no assalto”.
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