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Editorial

A guerra comercial e o Mercosul

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Para o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, elevação de tarifas americanas é estímulo para aumentar comércio entre Mercosul e União Europeia. (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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Em 20 de fevereiro, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou que um eventual clima de guerra comercial entre países pode contribuir para o fortalecimento das negociações para o acordo entre Mercosul e a União Europeia. Na mesma entrevista, Alckmin também afirmou que as tratativas para um acordo precisam ser aceleradas. As declarações do ministro vinham no momento em que os Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, anunciavam uma nova política tarifária do país, com algumas elevações de tarifas já implantadas.

Recentemente, em dezembro de 2024, Mercosul e União Europeia fecharam o acordo de livre comércio que vinha sendo negociado há 25 anos, mas cuja implementação ainda depende de um processo longo para transformá-lo em realidade. Um dos pontos da demora é a necessidade de transformar o texto em um ato legal para, posteriormente, ser traduzido e aprovado pelos países-membros; ato esse atrasado em função, entre outras causas, da oposição dura feita pela França. Sobre esse ponto, o próprio Alckmin já havia externado sua posição de que esse acordo fortalece as relações multilaterais, destacando que “o acordo é bom para o Mercosul, é bom para a União Europeia e acho que nós precisamos, agora, acelerar a implantação”.

Trump decidiu impor, já neste início de mandato, tarifa de 25% sobre as importações de aço e alumínio pelos EUA, sem exceções ou isenções. Como segundo maior exportador de aço para os EUA, o Brasil seria afetado nas exportações de aço e também de etanol. Alckmin não adotou tom beligerante; pelo contrário, ele afirmou que a balança comercial entre Brasil e EUA é equilibrada, sem déficits ou superávits relevantes para os dois países, e que o governo brasileiro pretende negociar com os norte-americanos.

O aumento do crescimento econômico a taxas expressivas depende de ampliar a abertura ao exterior, diminuir o atraso tecnológico e aumentar a produtividade

As relações comerciais entre países e a forma como elas se desenvolvem têm elevado conteúdo político e diplomático que, mesmo não estando acima dos interesses e necessidades econômicas, exerce influência nos termos dos acordos bilaterais firmados, nos volumes de importação e exportação entre os parceiros, na imposição de tarifas e na disposição dos chefes de governo para facilitar ou dificultar acordos e parcerias. Lula já vinha sendo visto pelos Estados Unidos como um chefe de governo com forte inclinação esquerdista, a julgar por seu apoio a regimes ditatoriais, especialmente na América do Sul, principalmente por sua simpatia e boa vontade com os ditadores da Venezuela, Irã e Nicarágua, além da hostilidade a Israel e apoio escancarado ao grupo terrorista Hamas.

Outro efeito das posições de Lula no cenário internacional é sua contribuição para o enfraquecimento do Mercosul, bloco regional formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, ao qual se juntou a Venezuela em 2012, embora este país esteja momentaneamente suspenso. Com a eleição do libertário Javier Milei na Argentina e os governos mais moderados do Paraguai e Uruguai (respectivamente, de centro-direita e centro-esquerda, mas ambos opositores do regime ditatorial da Venezuela), o Mercosul entrou numa fase de estagnação, cujo futuro é no mínimo incerto.  

A declaração de Alckmin, ao dizer que as medidas protecionistas anunciadas por Trump configuram aspectos de guerra comercial, razão pela qual podem favorecer as negociações para o acordo entre o Mercosul e a EU, esbarrou no que foi dito logo depois pelo presidente da França, Emmanuel Macron, que reiterou, em dia 22 de fevereiro, sua oposição ao acordo comercial UE-Mercosul, por considerar que ele cria uma concorrência desleal prejudicial aos agricultores de seu país, e que ele fará o possível para impedir que siga adiante.

Na abertura do Salão da Agricultura de Paris, que este ano tem o Marrocos como país convidado, Macron acrescentou que “o texto assinado é ruim e faremos todo o possível para garantir que não siga seu curso, para proteger a soberania alimentar francesa e europeia”. A intenção do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin não é ruim, sobretudo porque nas relações internacionais prevalece a moderação nos discursos e a disposição para negociar, consideradas e respeitadas as diferenças, mas sem agressões e xingamentos como os que Lula já fez ao atual presidente dos Estados Unidos.

Além da conhecida dependência brasileira em relação às tecnologias estrangeiras, especialmente nos tempos modernos, em que é alta a velocidade das invenções e inovações, o Brasil é considerado um país protecionista, com baixo grau de abertura econômica e pequena participação no comércio internacional. Portanto, o aumento do crescimento econômico a taxas expressivas depende de ampliar a abertura ao exterior, diminuir o atraso tecnológico, aumentar a produtividade (principalmente no setor industrial), fazer crescer a capacidade competitiva e, assim, beneficiar-se do aumento da demanda externa por produtos brasileiros.

Como complicador, o governo criou uma confusão na condução da política externa. O presidente Lula fala demais e cria zonas de atrito. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, é fragilizado e desautorizado pela existência de um “ministro-sombra” que se intromete em todos os assuntos externos da pasta e tem acesso direto ao presidente da República: é Celso Amorin quem, sob o pomposo título de assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República do Brasil, age e fala em nome do governo e do presidente. Caso Geraldo Alckmin passe a atuar nas negociações internacionais, será mais uma autoridade do governo a tratar dos assuntos da área, dificultando saber quem, afinal, é a verdadeira autoridade a falar em nome do Brasil. Ou seja, quanto às relações exteriores, nem o organograma do governo é claro e funcional.

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