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Editorial

Um paraíso para os corruptos

STF Índice de Percepção da Corrupção
Decisões do STF em 2024 ajudaram no desmonte da Lava Jato e facilitaram impunidade. (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

O Brasil voltou a fazer feio no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), indicador elaborado pela ONG Transparência Internacional, que anualmente ouve especialistas e empresários em 180 países sobre o nível de corrupção que eles observam em suas nações. O ranking divulgado na última terça-feira, dia 11, se refere a 2024, e nele o Brasil atingiu tanto a sua pior pontuação da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012 – 34 pontos, em uma escala de zero (maior corrupção) a 100 (maior integridade) – quanto a pior colocação na lista de países, com um 107.º lugar. O ranking é liderado pela Dinamarca, com 90 pontos, enquanto a lanterna é do Sudão do Sul, com 8 pontos. No continente americano, o líder é o Uruguai (76 pontos), enquanto o pior resultado é o da Venezuela (10 pontos).

A bem da verdade, haveria como esperar algo diferente? O ano passado foi marcado por novos retrocessos no combate à corrupção, especialmente devido à continuação do desmonte da Operação Lava Jato. Apenas a caneta do ministro do STF Dias Toffoli, ao longo de 2024, conseguiu a proeza de suspender a multa da empreiteira Odebrecht e anular todos os processos da Lava Jato contra Marcelo Odebrecht; Toffoli ainda anulou provas contra o ex-marqueteiro do PT João Santana e sua esposa, Mônica Moura, e anulou todas as decisões contra o empreiteiro Leo Pinheiro, da OAS, que delatou Lula.

O ano passado foi marcado por novos retrocessos no combate à corrupção, especialmente devido à continuação do desmonte da Operação Lava Jato

Toffoli, que agarra com gosto qualquer chance de fazer revisionismo histórico e atacar a Lava Jato, mas que não admite ser criticado por essas mesmas ações (a ponto de ter ordenado uma investigação sem fundamento algum contra a Transparência Internacional), mereceu uma longa menção no relatório do Índice de Percepção da Corrupção 2024 devido às decisões que tomou e que promoveram a impunidade na Lava Jato. “Cumprido o primeiro objetivo dos corruptos de se livrarem todos da prisão, avança o segundo objetivo de se livrarem das multas e até mesmo recuperarem o dinheiro que roubaram e foi confiscado – o que parecia apenas uma piada de mau gosto começou mesmo a acontecer no Brasil de 2024”, afirma a ONG, que ainda mencionou decisões de outros ministros do STF, como a anulação dos processos de José Dirceu, cortesia de Gilmar Mendes.

O Poder Executivo também aparece com destaque no relatório do Índice de Percepção da Corrupção. Lula mantém no cargo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, apesar de ele ter sido indiciado por corrupção passiva, fraude em licitação e organização criminosa pela Polícia Federal em junho do ano passado. Além disso, a ONG lembrou que os irmãos Wesley e Joesley Batista, da J&F, voltaram a ter trânsito livre no Planalto e ganharam um belo presente do governo em forma de medida provisória. “Mais grave que os afagos públicos [de Lula aos irmãos Batista] foi o acesso concedido ao Palácio do Planalto para reuniões fora da agenda, seguidas de medida provisória que garantiu benefícios bilionários aos negócios dos Batista na área de energia e resultaram na elevação da conta de luz das empresas e famílias brasileiras”, afirmou o documento.

Diante disso tudo, só nos resta esperar que a menção da Transparência Internacional a “um país onde o presidente não pronuncia a palavra ‘corrupção’” tenha sido feita em tom de simples constatação, e não de surpresa. Afinal, não há como imaginar que o líder do máximo do partido que desenhou os dois maiores esquemas de corrupção da história recente brasileira adotaria um discurso de moralidade no trato da coisa pública enquanto segue empenhado em destruir, com a ajuda do Judiciário, o legado da maior operação contra a corrupção que este país já viu.

Em resumo, o que os brasileiros entrevistados pela Transparência Internacional veem é um país onde os corruptos do passado voltaram à cena do crime, como diria um certo ex-adversário político agora aliado dos protagonistas dos escândalos – um dos quais reúne a nata da política nacional em sua festa de aniversário –, e onde a principal corte do país destrói, em nome da pura conveniência política, todos os resultados obtidos por anos de esforço heroico dos órgãos de investigação e chancelados por várias instâncias do Judiciário. Só falta, mesmo, o vídeo do ex-governador Sergio Cabral, à beira da piscina, comentando os resultados do IPC.

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