
Apesar de uma série inicial de acusações mútuas, Israel e Irã estão vivendo um cessar-fogo, anunciado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, dias após o surpreendente ataque de bombardeiros dos Estados Unidos a instalações nucleares iranianas. Esta pausa nas hostilidades foi saudada por alguns dos principais líderes mundiais (inclusive alguns que haviam criticado a ação norte-americana) e até mesmo pela Rússia, cujo ditador, Vladimir Putin, é aliado dos aiatolás iranianos. Uma exceção a essa onda global de alívio com o cessar-fogo foi o Brasil de Lula.
Até o começo da noite desta quinta-feira, o Itamaraty não havia emitido uma mísera nota comentando o cessar-fogo articulado por Trump. A mais recente manifestação da diplomacia brasileira sobre o assunto é uma declaração dos Brics – grupo ao qual o Irã se juntou no ano passado – pedindo às “partes envolvidas” para “engajarem-se, por meio dos canais de diálogo e diplomáticos existentes, com vistas a desescalar a situação”, mas sem citar o cessar-fogo, que já estava vigorando quando da publicação da nota. Como se não bastasse, o texto ainda é pródigo em espantalhos argumentativos: por exemplo, a condenação a “quaisquer ataques contra instalações nucleares de natureza pacífica”, embora se possa dizer com muita certeza que as unidades iranianas têm finalidades bem diferentes, enriquecendo urânio a níveis muito superiores aos necessários para uso médico ou geração de energia, e próximos aos exigidos para uma bomba atômica. O texto ainda diz que “vidas civis devem ser protegidas e a infraestrutura civil deve ser salvaguardada”, sem mencionar que os ataques de Israel e Estados Unidos foram cirúrgicos, direcionados a instalações militares; quem atacou áreas civis foram os iranianos, com suas ondas de mísseis e drones contra centros urbanos israelenses.
Enquanto Lula esnoba a OCDE e diz aos membros do G7 que o grupo nem deveria existir, abraça (literalmente ou figurativamente) ditadores mundo afora
Esse tem sido o tom de todas as manifestações recentes do Itamaraty sobre o Oriente Médio. Quando se trata do Irã, a diplomacia chefiada de jure por Mauro Vieira, e de facto por Celso Amorim, se recorda de que existem coisas como “soberania nacional” e “direito internacional”, que subitamente desaparecem quando se trata de comentar a guerra na Ucrânia, em que Putin, aliado de Lula, viola a soberania ucraniana e o direito internacional desde 2022. As ações de Israel e dos Estados Unidos são condenadas “com veemência”; mas, em abril de 2024, o máximo que o Itamaraty lulista conseguiu foi afirmar que “acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel”. Nada de condenações veementes; aquele ataque nem sequer foi chamado pelo que era, reduzido eufemisticamente a um “envio de drones e mísseis”, como se estivéssemos falando de uma encomenda internacional.
O duplo padrão ainda fica evidente quando se considera que, enquanto a Ucrânia nada mais queria que uma aproximação com o Ocidente, sem representar nenhum tipo de ameaça à Rússia, o Irã já é um fator de desestabilização no Oriente Médio, defendendo abertamente a destruição de Israel e apoiando financeiramente e logisticamente os terroristas do Hamas (que Lula e o Itamaraty demoraram para identificar pelo nome após o massacre de 7 de outubro de 2023) e do Hezbollah. Se o regime dos aiatolás já consegue causar caos na região sem uma arma nuclear, imagine-se o que faria com uma bomba atômica na mão. Parar o programa nuclear iraniano é um imperativo reconhecido mesmo pelas nações ocidentais que não viram os ataques israelenses e norte-americanos com entusiasmo.
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Mas Lula nunca viu problemas nas ambições nucleares iranianas. Durante o segundo mandato do petista, em 2010, Brasil e Turquia costuraram um acordo para que o Irã entregasse 1,2 tonelada de urânio, que seria enriquecido fora do país; os iranianos receberiam, posteriormente, 120 quilos do material enriquecido a 20%. As grandes potências ocidentais receberam o acordo com ceticismo, afirmando que não se sabia quanto urânio o Irã tinha ao certo e que o país costumava usar esse tipo de negociações para ganhar tempo enquanto seguia em frente com seus planos. No longo prazo, ficou claro que os céticos tinham razão.
As escolhas de Lula em termos de política externa nunca foram tão claras quanto neste terceiro mandato. O petista esnoba a OCDE, embora o Brasil só tivesse a ganhar juntando-se a essa organização, e diz aos membros do G7 que o grupo nem deveria existir. Enquanto isso, abraça (literalmente ou figurativamente) ditadores mundo afora, fechando os olhos a todo tipo de agressões ou violações de direitos e soberanias – as mesmas que Lula condena rapidamente quando se trata de países como os Estados Unidos e Israel. A cara de pau é tanta que Lula se recusou até mesmo a sancionar uma lei aprovada pelo Congresso criando o Dia da Amizade Brasil-Israel, deixando expirar o prazo de manifestação, de forma que a lei tivesse de ser promulgada pelo presidente do Senado e do Congresso. Nunca antes na história deste país, para usar um bordão famoso de Lula, o Brasil ficou tão desmoralizado no cenário internacional.



