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José Dirceu
Ex-ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu teve seus processos na Lava Jato anulados em decisão monocrática de Gilmar Mendes.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

“Todos soltos.” Foi assim que Dilma Rousseff, em um dos debates da campanha presidencial de 2014, se referiu a uma série de envolvidos em escândalos de corrupção que pertenciam ao PSDB, partido de seu adversário. A frase acabou se revelando muito mais profética e adequada, no entanto, aos megaesquemas de ladroagem urdidos e executados pelo petismo. Foi assim com o mensalão – graças a indultos assinados pela própria Dilma e por seu sucessor, Michel Temer – e com o petrolão, já que hoje não há mais nenhum político atrás das grades devido a sua participação no esquema; o último a deixar a cadeia foi Sérgio Cabral, em dezembro de 2022. Agora, o Supremo Tribunal Federal está empenhado em uma nova tarefa: com todos soltos, é hora de limpar suas fichas.

O principal beneficiário desse esforço supremo está hoje no Palácio do Planalto, mas ainda havia outros chefões do PT esperando por decisão semelhante. Nesta terça-feira, foi a vez de José Dirceu. O mais graúdo dos petistas condenados no mensalão, beneficiado com um indulto natalino de Dilma em 2015, tinha sido condenado na Lava Jato em 2016 e em 2017; saiu da cadeia graças a um habeas corpus “de ofício” inventado por Dias Toffoli em 2018, e já havia tido parte das penas anulada pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça em 2023 e maio deste ano. Agora, o ministro Gilmar Mendes, o mais vocal dos adversários da Lava Jato na corte, completou o trabalho e fez de Dirceu um ficha-limpa ao anular monocraticamente todos os atos processuais contra o ex-ministro de Lula que tivessem saído da pena do então juiz Sergio Moro.

A nova fase do desmonte da Lava Jato consiste em limpar as fichas de todos os que haviam sido condenados e já estão soltos, como acaba de acontecer com José Dirceu

Só não podemos chamar a decisão de surpreendente porque ela segue um roteiro bastante previsível, desde que, em 2019, um circo midiático foi montado para achincalhar a Lava Jato com base em supostos diálogos entre Moro e membros da força-tarefa da operação, diálogos esses cuja autenticidade jamais foi comprovada por nenhuma das perícias feitas no material publicado. Foi assim que Moro teve sua suspeição declarada pelo STF nos processos contra Lula, disparando um efeito dominó que já beneficiou meio mundo, de marqueteiros a empreiteiros; que José Dirceu acabasse na lista dos contemplados era questão de tempo, e foi o que Gilmar Mendes fez ao insistir na fantasia do “conluio” entre juiz e Ministério Público, e afirmar que os processos contra Dirceu eram uma espécie de ensaio para conseguir pegar Lula mais à frente.

O ex-ministro, ex-deputado e ex-mensaleiro agora fica livre até para tentar um cargo eletivo, desejo que já manifestou inclusive em entrevista recente à Gazeta do Povo. Prestígio não lhe falta, a julgar pela concorridíssima festa de aniversário que ofereceu em março, cuja lista de convidados tinha ministros de Estado, deputados e senadores da esquerda e do Centrão (incluindo o presidente da Câmara, Arthur Lira), o vice-presidente Geraldo Alckmin e o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, sem falar de advogados e jornalistas próximos do petismo. Que uma pessoa com a ficha de José Dirceu goze desta popularidade mesmo depois de tantas condenações judiciais diz mais sobre o ar que se respira em Brasília que sobre o próprio Dirceu, a bem da verdade.

Quando se trata do combate à corrupção e dos brasileiros que desejam ver um país livre da ladroagem, a entrada do prédio do STF bem poderia ser adornada com o “abandonai toda a esperança, vós que entrais” que Dante Alighieri colocou nos portais do inferno, tantas são as decisões da corte que têm como efeito a impunidade daqueles que pilharam o país em esquemas devidamente confessados e fartamente comprovados. Já para os corruptos, os corruptores, os lavadores de dinheiro e assemelhados, a referência vem de uma obra bem mais contemporânea: a cena da série O Mecanismo na qual um corrupto preso recebe um telefonema e, logo depois, grita aos companheiros de esquema que estão na mesma ala: “Vai todo mundo embora! Foi pro Supremo!”, iniciando uma celebração generalizada. Pois os protagonistas dos esquemas da vida real não só já foram todos embora, como saltaram diretamente da prisão para os círculos mais altos do poder federal.

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