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Editorial

José Dirceu, livre dos processos da Lava Jato

José Dirceu em sessão especial do Senado
José Dirceu discursa em sessão especial do Senado em abril de 2024. (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

O presente de Natal chegou mais cedo para José Dirceu. Um dos principais líderes do petismo, protagonista do mensalão e também das investigações da Operação Lava Jato, Dirceu está definitivamente livre de dois processos nos quais ele havia sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Na terça-feira, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a prescrição das ações. Em um terceiro processo, no qual Dirceu já tinha sido absolvido, o STJ confirmou a nulidade de todos os atos processuais que levassem a assinatura do então juiz Sergio Moro, que comandou a 13.ª Vara Federal de Curitiba até 2018.

No caso, não havia muito que o STJ pudesse fazer, já que o estrago havia vindo de cima. Em outubro, o ministro do STF Gilmar Mendes havia anulado monocraticamente todos os atos processuais de Moro relacionados a José Dirceu; o que ocorreu na última terça-feira é mera consequência desta decisão, mais uma da longa lista de absurdos jurídicos que o STF tem cometido em seu trabalho de desfazer tudo o que a Lava Jato havia conquistado para o Brasil em termos de combate à corrupção. A Procuradoria-Geral da República até recorreu, no início de novembro, contra a decisão de Gilmar Mendes, com uma alegação tão simples quanto certeira: não fazia o menor sentido, do ponto de vista jurídico e processual, simplesmente aplicar a Dirceu as consequências da suspeição de Moro decidida pelo STF nos casos envolvendo Lula, já que até mesmo os caminhos pelos quais a investigação chegou a Dirceu foram diferentes. No entanto, o recurso segue dormente em alguma gaveta do STF.

O esquema que a Lava Jato desvendou está muito longe de ter sido um roteiro de ficção, um delírio coletivo da sociedade brasileira. Pelo contrário: a corrupção foi real, comprovada e confessada

O argumento usado por Gilmar Mendes, pelo qual as denúncias e as condenações de José Dirceu eram um “ensaio” orquestrado por Moro e os procuradores da Lava Jato para pegar Lula, é apenas mais uma das muitas fantasias criadas pelos ministros do STF ou usadas por eles para embasar suas decisões que minam o combate à corrupção. Outro depredador da Lava Jato, o ministro Dias Toffoli, tem usado sempre que possível a fábula dos acordos de leniência assinados sob coerção, como se as caríssimas e experientes bancas de advogados das maiores empreiteiras do país tivessem sido forçadas pelo Ministério Público a colaborar, em acordos bastante vantajosos para as empresas, em comparação com os crimes admitidos. Toffoli também endossa completamente a lenda que faz da Lava Jato não a maior e mais bem-sucedida (ao menos até o STF entrar em cena) operação de combate à corrupção da história do Brasil, mas uma trama destinada a enfraquecer a economia nacional e alijar Lula da disputa presidencial de 2018.

Toda essa mitologia sobre a Lava Jato pode não ser partilhada pela maioria dos brasileiros, mas é suficientemente popular entre parte da opinião pública e, o mais importante, entre os que têm as canetas que lhes permitem “errar por último” – e como erram! Nada disso, no entanto, seria possível sem o circo midiático iniciado em 2019 com a divulgação de supostos diálogos entre Moro e procuradores da Lava Jato, conteúdos que jamais tiveram sua autenticidade comprovada mesmo após sucessivas perícias. Aquele foi o pontapé inicial que permitiu uma inversão completa, de forma que os corruptos e os corruptores, mesmo tendo confessado seus crimes e devolvido bilhões em dinheiro desviado, passaram a se dizer vítimas, como se a pilhagem das estatais para abastecer o projeto de poder petista jamais tivesse existido.

Mas o esquema que a Lava Jato desvendou está muito longe de ter sido um roteiro de ficção, um delírio coletivo da sociedade brasileira. E talvez tenhamos uma comprovação disso em breve. Em novembro, uma juíza da 1.ª Zona Eleitoral de Brasília aceitou denúncia contra o empreiteiro Marcelo Odebrecht, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e outros 36 investigados. O Ministério Público alegou que, mesmo com as decisões de Toffoli que anularam provas e o acordo de leniência da Odebrecht, ainda havia material suficiente para embasar uma denúncia no caso da Torre de Pituba, uma nova sede da Petrobras em Salvador (BA). Ainda há juízes em Brasília, e ainda há chance de vermos justiça no caso do petrolão – isso, claro, se não houver ministros do Supremo apenas esperando que os recursos cheguem às suas mesas para destruir tudo outra vez.

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