Os alertas sobre a caótica situação fiscal do Brasil não param de chegar, vindos de dentro e de fora do país. Na quarta-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou sua projeção para a dívida pública e o resultado primário brasileiros, com números piores que o esperado. O superávit primário, afirma a entidade, só virá em 2027, e não mais em 2026. Antes disso, teremos de amargar déficits de 0,5% do PIB este ano, 0,7% em 2025 e 0,6% daqui a dois anos. Já a dívida pública está disparando: terminará o ano em 87,6%, chegará a 92% em 2025, e em 2029 estará em 97,6%.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, tem números ligeiramente diferentes: a dívida estará em 80% do PIB no fim deste ano, subirá para 82,2% no fim do ano que vem e chegará a 84,1% em 2026, representando um salto de 12,4 pontos porcentuais do PIB ao longo de todo o mandato, já que a dívida estava em 71,7% do PIB quando Lula subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2023. Parte da diferença entre os números do FMI e da IFI se explica pela metodologia: o FMI inclui na conta os títulos da dívida que estão em poder do Banco Central, enquanto as estatísticas elaboradas dentro do Brasil costumam descontar esse fator. Ainda assim, os responsáveis pelo cálculo mais “benigno”, o do IFI, afirmam que a dívida brasileira, como proporção do PIB, “está na média dos países da zona do euro, inferior aos países desenvolvidos do G7, mas bem acima dos países emergentes e da América Latina e Caribe” – com a diferença de que as nações europeias e outros países desenvolvidos conseguem rolar suas dívidas pagando juros muito menores que os nossos.
Difícil acreditar em cortes substanciais no gasto público, muito menos em reformas macroeconômicas de efeito duradouro, enquanto Lula insiste em classificar todo gasto como “investimento”
E os juros aqui são mais altos porque o investidor, ciente da fragilidade fiscal brasileira, exige um prêmio maior para assumir o risco de emprestar ao governo brasileiro em vez de deixar dinheiro em outras economias mais sólidas. O desequilíbrio fiscal também ajuda a entender por que, apesar da queda dos juros norte-americanos, que em tese deixaria as moedas emergentes mais atrativas, o real continua se desvalorizando, tendo passado os últimos dias rondando os R$ 5,70 depois de ter começado o mês na casa dos R$ 5,40. Enquanto isso, os recursos estrangeiros continuam saindo da bolsa brasileira.
Nada do que o FMI e a IFI estejam dizendo é novidade; os avisos recentes são apenas mais dois entre uma série de outros que já foram feitos anteriormente. Mesmo assim, com a realidade não só batendo, mas praticamente arrombando a porta, o governo Lula só consegue entregar palavras. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, com dois anos de atraso, diz que “chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos estrutural no Brasil”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comentando os números do FMI, diz que “o fortalecimento do arcabouço fiscal é o remédio mais adequado para o momento que nós estamos vivendo” – o mesmo arcabouço fiscal que garante o aumento real na despesa pública ano após ano, e que já foi totalmente desmoralizado, tamanha a relação de gastos que não são computados na conta oficial do resultado primário.
Tebet e Haddad prometem que, depois do segundo turno das eleições, virá um pacote que poderia economizar de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões. De realmente concreto, fala-se em combater os supersalários no setor público – uma briga poucas vezes bem-sucedida, mas que é preciso manter, tamanha a ilegalidade e a imoralidade contidas na voracidade de certa elite do funcionalismo, que insiste em abocanhar para si muito mais que lhe é de direito. Fazer cumprir a lei do teto constitucional, no entanto, garantiria uma economia não muito maior que R$ 5 bilhões. Do resto, não se sabe nada além de balões de ensaio lançados pelo governo e depois desmentidos, incluindo ideias como a tributação (que surpresa!) dos 40% do FGTS pagos como indenização a quem é demitido sem justa causa. Um outro ministério, o da Inovação e Gestão, também acena com uma reforma administrativa que seria até mais ampla que a encaminhada ao Congresso durante o mandato de Jair Bolsonaro.
Difícil acreditar, no entanto, em cortes substanciais no gasto público, muito menos em reformas macroeconômicas de efeito duradouro, enquanto o chefe de todos os ministros insiste em classificar todo gasto como “investimento” e que, por isso, tem de ser preservado e exaltado. Poucos meses atrás, Lula ainda afirmava que “o problema não é que tem de cortar, o problema é saber se precisa efetivamente cortar, ou se a gente precisa aumentar a arrecadação”, insistindo na insanidade de querer fechar contas apostando apenas na elevação da receita. A recusa de Lula em enxergar o tamanho da crise fiscal tem como consequências o fortalecimento da inflação e a manutenção dos juros elevados, prejudicando os mais pobres que ele tanto diz defender.
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