Mesmo quando consegue resistir à tentação do ativismo judicial, o Supremo Tribunal Federal comete a façanha de deixar uma marca negativa, fazendo o errado até quando faz o certo. Foi o que aconteceu nesta quinta-feira, quando a corte encerrou o julgamento sobre a constitucionalidade de um trecho da Lei das Estatais que proibia nomeações de detentores de cargo legislativo, ministros ou secretários de Estado, bem como dirigentes sindicais ou partidários, para cargos de direção ou para os conselhos de administração de estatais. Estas vedações foram questionadas no STF pelo PCdoB, que prestava um favor ao presidente Lula, e tinham sido liminarmente derrubadas por Ricardo Lewandowski no início de 2023, quando ele ainda ocupava uma cadeira no Supremo.
Lewandowski, hoje fora da corte, foi acompanhado apenas por Flávio Dino e Gilmar Mendes; Cristiano Zanin não votou, pois substituiu Lewandowski no STF; os outros oito membros da corte seguiram a divergência aberta por André Mendonça, que considerou perfeitamente constitucionais as regras aprovadas pelo Congresso Nacional em 2016, na esteira do escândalo do petrolão. Mendonça lembrou, muito acertadamente, que as vedações são condizentes com práticas de boa governança, recomendadas inclusive pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e que não há nada de “desproporcional” na lei de 2016. O ministro ainda entrou em um debate com Gilmar Mendes sobre uma correlação entre a entrada em vigor da legislação e os resultados positivos obtidos pelas estatais desde então (muitos deles já revertidos desde a posse de Lula); uma discussão até certo ponto infrutífera, pois a razoabilidade das vedações legais seguiria existindo independentemente dos balanços bons ou ruins das empresas.
STF criou uma situação bizarra em que algumas das principais estatais brasileiras são comandadas por pessoas que não atendem aos requisitos legais para estar nos postos que ocupam, apenas porque foram indicados durante uma “janela de desrespeito à lei”
O resultado de 8 a 3 em favor da constitucionalidade das vedações às nomeações políticas teria tudo para ser amplamente celebrado, se não fosse uma sugestão de Dias Toffoli, que no passado recente vem acumulando uma série de decisões e votos completamente alinhados com o governo, com direito a uma reescrita falsa e grosseira da história da Operação Lava Jato. O ministro sugeriu uma modulação na qual as nomeações feitas por Lula enquanto vigorou a liminar de Lewandowski continuariam válidas; apenas de agora em diante o presidente precisaria seguir a legislação. A sugestão, vergonhosamente, foi aceita por unanimidade pela corte; até mesmo Mendonça, que inicialmente havia votado pela saída dos nomeados que não cumprissem a exigência legal, mudou de ideia ao longo do julgamento. Com isso, petistas como Jean Paul Prates e Aloizio Mercadante poderão seguir à frente da Petrobras e do BNDES, respectivamente, ainda que não se encaixem nos critérios da Lei das Estatais.
Em outras palavras, a corte decidiu que a lei vale, ma non troppo. Ora, se a Lei das Estatais é constitucional, é porque ela sempre o foi, apesar da liminar de Lewandowski – que, recorde-se, resolveu dar sua canetada enquanto o julgamento da ação em plenário virtual já estava em andamento. Seria totalmente razoável exigir que Mercadante, Prates e outros deixassem seus postos e fossem substituídos por nomes que cumprissem os critérios legais, sem punição alguma para quem indicou e quem foi indicado, já que na ocasião os dispositivos que vedariam tais indicações estavam liminarmente revogados. No entanto, o STF escolheu desmoralizar a lei cuja constitucionalidade acabara de reafirmar, tudo em nome da mera conveniência política.
Há muito o STF já não é mais visto como o poder imparcial que deveria ser, seja porque persegue ferozmente a liberdade de expressão de apenas um lado do espectro político-ideológico, seja porque ignora a Constituição, as leis e a jurisprudência quando convém para facilitar a vida do outro lado desse mesmo espectro, seja porque se empenha em criar insegurança jurídica reescrevendo a história e decidindo arbitrariamente quando as leis valem ou não, como acaba de acontecer neste caso. Criar uma situação bizarra em que algumas das principais estatais brasileiras são comandadas por pessoas que não atendem aos requisitos legais para estar nos postos que ocupam, apenas porque foram indicados durante uma “janela de desrespeito à lei”, é um ataque grosseiro ao bom senso, à lógica e à letra da legislação.
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