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Lula e o Itamaraty insistem em iludir os incautos com uma aparência de neutralidade diante da agressão russa contra a Ucrânia, prestes a completar três anos no mês que vem – uma postura que, se fosse real, já seria condenável, pois a neutralidade em situações onde é fácil apontar agressores e vítimas não passa de omissão que beneficia aqueles. Já os mais atentos sabem muito bem que Lula tem sua preferência, e é pelos valentões invasores. A escolha do petista pelo lado errado da história é tão clara que, mesmo diante da chance de fazer algo de bom e se colocar diante do mundo como negociador imparcial, Lula prefere lavar as mãos.
O petista foge o quanto pode das oportunidades de encontrar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky (a única vez que ambos conversaram face a face foi em setembro de 2023, em Nova York), enquanto recebeu mais de uma vez o chanceler russo, Sergei Lavrov, e só não foi abraçar Vladimir Putin em Moscou devido ao acidente doméstico sofrido em outubro do ano passado. Mas as recusas de Lula não se limitam ao campo político-diplomático: até mesmo no campo humanitário o presidente brasileiro faz o jogo sujo dos russos. Em 2023, ele havia bloqueado um contrato bilionário para o fornecimento de ambulâncias blindadas à Ucrânia; agora, despreza o convite para mediar o retorno de crianças ucranianas sequestradas pelo regime de Putin.
Para não ter de admitir que Putin comete crimes de guerra que precisam ser corrigidos, Lula não pensa duas vezes antes de se omitir, perpetuando o drama das crianças ucranianas sequestradas
Desde a invasão russa, em fevereiro de 2022, tropas russas já arrancaram dezenas de milhares de crianças de suas famílias ucranianas; elas são levadas à força para a Rússia, onde ganham novas identidades e são adotadas por famílias locais. Trata-se de crime de guerra, que já levou o Tribunal Penal Internacional a emitir um mandado de prisão contra Putin – medida que a diplomacia brasileira, sob Lula, já tentou contornar. Algumas nações, como África do Sul, Catar e Vaticano, estão trabalhando como mediadores para conseguir o retorno dessas crianças a suas famílias na Ucrânia; o chefe de gabinete de Zelensky, Andrii Yermak, convidou o Brasil para se juntar ao grupo, mas foi ignorado por Lula e pelo Itamaraty, levando-o a tornar público o convite por meio da imprensa, no último dia 14.
A chancelaria brasileira só se pronunciou após ser provocada pela Gazeta do Povo, com uma nota de três parágrafos constrangedores. Afirma que “a questão das crianças ucranianas representa um dos aspectos mais trágicos e preocupantes do conflito russo-ucraniano”, mas não menciona diretamente o convite de Yermak para mediar o retorno dessas crianças. Em vez disso, aponta para o plano de paz desenhado pela China e endossado pelo Brasil, que beneficia Putin abertamente ao falar em “não expansão do campo de batalha” em vez de pedir o respeito à integridade territorial ucraniana, violada pela Rússia – uma postura incompatível com a “condenação à invasão russa do território ucraniano” alegada na nota enviada à Gazeta. O plano sino-brasileiro, aliás, nem sequer pleiteia explicitamente a devolução das crianças ucranianas sequestradas, afirmando apenas que “a população civil, incluindo mulheres, crianças e prisioneiros de guerra, deve ser protegida”.
Mediar a devolução das crianças seria uma ação puramente humanitária que, a rigor, nem mesmo pressuporia uma tomada de lado; é algo que exigiria apenas bom senso e compaixão. Mas nem isso o Brasil lulista está disposto a fazer. Para não ter de admitir que seu colega de Brics comete crimes de guerra que precisam ser corrigidos, Lula não pensa duas vezes antes de se omitir, perpetuando o drama das crianças ucranianas sequestradas e de suas famílias. Salvo por alguma reviravolta, essa recusa brasileira é mais uma manifestação da delinquência moral da política externa brasileira, comandada por Lula e seu assessor Celso Amorim, que não hesitam em apelar para a equivalência moral, tratando a Ucrânia como responsável pela agressão sofrida enquanto faz rapapés a um ditador e criminoso de guerra.