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O presidente Lula na ONU, durante abertura da Assembleia Geral, em 24 de setembro.
O presidente Lula na ONU, durante abertura da Assembleia Geral, em 24 de setembro.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

O microfone cortado durante o discurso na Cúpula do Futuro, no domingo, não foi o único vexame protagonizado pelo presidente Lula na ONU, em Nova York. Na terça-feira, ao ser o primeiro líder a falar na Assembleia Geral – por tradição, o presidente brasileiro sempre é o primeiro a discursar depois do secretário-geral da ONU –, Lula até tentou fazer valer o soft power brasileiro na questão ambiental, mas não conseguiu escapar da realidade das queimadas que assolam a Amazônia e o Pantanal. E, ao falar de política externa, mais uma vez apelou à abjeta equivalência moral e defendeu a validação da “paz dos valentões” ao falar da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Qualquer mandatário brasileiro que ocupe a tribuna na Assembleia Geral acaba tendo de mencionar o meio ambiente, que hoje é talvez a única área de preocupação global na qual o Brasil tenha alguma contribuição substancial a fazer. Lula se queixou de tudo e mais um pouco: do “negacionismo”, de “acordos climáticos não cumpridos”, de “metas de redução de emissão de carbono negligenciadas” e, especialmente, de não receber dinheiro dos países ricos para ajudar na preservação ambiental. Depois de afirmar que “a Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos”, Lula emendou afirmando que as queimadas “já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto”, e concluiu dizendo que “meu governo não terceiriza responsabilidades”, algo que acabara de fazer implicitamente, ao associar os incêndios florestais ao tempo anormalmente seco.

Lula se queixa de que “o uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra”, mas seu plano para a Ucrânia é justamente validar esse uso da força

O que Lula não disse é que, se a estiagem não é culpa sua, a falta de preparo para prevenir seus efeitos é, sim, uma responsabilidade que o governo nunca assumiu. Os avisos sobre um inverno excepcionalmente seco foram feitos há tempos, e mesmo assim os recursos para o combate a queimadas diminuíram em 2024 na comparação com 2023; com o fogo já devorando os biomas, o governo foi instado pelo STF a montar um plano para conter os incêndios, mas, vencido o prazo de três meses, não tinha nada a mostrar e teve de pedir mais tempo. Enquanto isso, a terceirização de responsabilidades corria solta, sobrando não apenas para a estiagem, mas também para o agronegócio – por mais que o setor seja um dos grandes prejudicados ao perder negócios no exterior graças à péssima imagem internacional de um Brasil em chamas.

Mas foi ao falar dos dois grandes conflitos em curso hoje no mundo que Lula se superou. Fiel à tradição de, sempre que possível, não chamar pelo nome os agressores quando são seus aliados, o petista não mencionou nem a Rússia, nem Vladimir Putin, e teve o cinismo de, com poucos segundos de diferença entre as frases, afirmar que “o Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano” e defender o “entendimento de seis pontos que China e Brasil oferecem para que se instale um processo de diálogo e o fim das hostilidades” – plano este que simplesmente chancela a anexação russa de território ucraniano. O que Lula está dizendo ao mundo inteiro na ONU é que, para ele, o respeito à integridade territorial da Ucrânia nada vale. O petista se queixa de que “o uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra”, mas seu plano é justamente validar esse uso da força.

Já em relação ao outro conflito, no Oriente Médio, só podemos imaginar o quanto deve ter custado a Lula pronunciar as palavras “ação terrorista” para se referir ao 7 de outubro de 2023. Mas não passou disso: segundo Lula, o ataque a Israel foi coisa de “fanáticos”, termo que o dispensou de nomear o Hamas, grupo que governa a Faixa de Gaza e tem como objetivo final a aniquilação do Estado de Israel, como se esses dois pontos fossem completamente irrelevantes. Nem o Hezbollah, com quem Israel luta no sul do Líbano, nem o Irã, apoiador e financiador dos dois grupos, apareceram na fala de Lula.

De resto, o mundo teve uma amostra daquilo a que os brasileiros são submetidos dia sim, dia também: indiretas ou mesmo diretas contra a direita conservadora, contra Elon Musk, contra Javier Milei, contra a responsabilidade fiscal, contra os juros altos, contra os ricos; a eterna lamentação sobre a falta de um assento permanente no Conselho de Segurança para o Brasil; e as meias-verdades tão convenientes ao império da mentira que o petismo construiu. É assim que Lula faz uma “defesa da democracia” que defende Cuba e se cala sobre a Venezuela, ou diz que a América Latina vive uma “segunda década perdida” na economia, sem mencionar que boa parte dessa estagnação é culpa das políticas desastradas do próprio petismo, no Brasil, e de seus aliados como o kirchnerismo argentino e o bolivarianismo venezuelano.

A degradação ambiental, a pobreza, a fome, as guerras são problemas muito reais, qualquer pessoa de bom senso há de admiti-lo. Mas, quando Lula abre a boca para falar deles, o mundo fica muito longe de se iluminar, para usar as palavras da filósofa esquerdista Marilena Chauí; na verdade, não há nada a se extrair do discurso, que vai do irrelevante (pelo tom genérico como certos temas são tratados) ao acintoso (pelas equivalências morais e pela validação do uso da força). Não surpreende que a imprensa internacional tenha dado pouco destaque às palavras de Lula, enquanto o discurso de Milei, em sua primeira participação na Assembleia Geral, teve repercussão bem mais ampla: o petista é um presidente que não tem nada a mostrar e nada a dizer.

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