Lula não gosta de ouvir verdades inconvenientes, e, na impossibilidade de oferecer argumentos minimamente racionais, parte para o deboche. Foi assim mais uma vez com um relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado no último dia 18. O grupo de nações costumeiramente apelidado de “clube dos ricos”, mas que está mais para um fomentador de boas práticas de economia e gestão – e talvez por isso mesmo seja esnobado pelo petismo, que botou um freio no processo brasileiro de adesão à entidade –, publicou um relatório alertando para a trajetória preocupante da dívida pública brasileira, e que deixou o presidente da República “muito irritado”. Em sua live semanal, no dia seguinte, Lula descartou o documento como um “palpite” dado por gente que “não sabe”.
A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – que inclui governo federal, INSS e governos estaduais e municipais – chegou a 74,7% do PIB, ou R$ 7,9 trilhões, segundo dados de outubro deste ano. A OCDE afirma que em 2024 este indicador pode chegar a 80% do PIB, e ultrapassar os 90% em 2047. Depois de uma queda recente, “uma política orçamentária expansionista, taxas de juro mais elevadas e um crescimento mais baixo colocaram a dívida novamente numa trajetória ascendente”, diz a OCDE, acrescentando que estes 90% seriam um cenário-base: “uma consolidação fiscal menor” levaria a dívida a “uma trajetória claramente insustentável”, chegando a 100% do PIB já em 2037.
Lula pode ficar irritado à vontade, mas se insistir em “empurrar com a barriga” a questão fiscal, desprezando as reformas macroeconômicas e o ajuste fiscal em nome do “gasto é vida”, as previsões da OCDE sobre o aumento da dívida se tornarão realidade
O aviso não é novidade. Em outubro, o Monitor Fiscal do FMI afirmou que a dívida pública brasileira estaria próxima dos 100% em 2028 ainda que o governo consiga cumprir as atuais metas de resultado primário previstas no arcabouço fiscal recentemente aprovado. Mesmo com a ressalva de que os números do FMI são mais altos por causa de um critério diferente (o órgão inclui na conta da dívida os títulos do Tesouro em poder do Banco Central), o fato é que a dívida brasileira, por qualquer critério, é bem mais elevada que a média dos países emergentes como proporção do PIB. Se é verdade que nações desenvolvidas são ainda mais endividadas – muitas delas devem o equivalente a mais de 100% do que produzem em um ano –, também é verdade que elas conseguem rolar suas dívidas pagando juros baixos, algo que o Brasil é incapaz de fazer. A combinação entre dívida de país rico e juro de país emergente é uma tempestade perfeita, fatal no médio e longo prazo.
O alerta da OCDE, reforçando o que já foi dito pelo FMI e por outras entidades e economistas, não é “palpite”, é ciência econômica: um país que rotineiramente gasta mais do que arrecada sem nenhum esforço para reduzir suas despesas tem diante de si apenas três opções: seguir elevando impostos até sufocar de vez a economia, emitir moeda indiscriminadamente – o que causa inflação –, ou jogar títulos no mercado, tendo de oferecer juros altos para atrair quem esteja disposto a emprestar dinheiro a um governo gastador em vez de investir em economias mais sólidas e confiáveis. Lula pode ficar irritado à vontade, mas é neste caminho que ele coloca o Brasil se insistir em “empurrar com a barriga” a questão fiscal (como disse um ex-diretor do BC), desprezando as reformas macroeconômicas e o ajuste fiscal em nome do “gasto é vida”.
Assim como também não há nada de palpite nas recomendações da OCDE, que da mesma forma repetem conselhos dados há muito tempo: uma reforma administrativa que desinche o Estado brasileiro; o fim do engessamento orçamentário que compromete investimentos e outras escolhas do governo; abertura econômica e maior inserção no comércio internacional; reavaliação de programas sociais para cortar o que é ineficiente, redundante ou direcionado a quem menos precisa; e mecanismos de indexação que acabam elevando gastos desnecessariamente. Nada disso, no entanto, passa pela cabeça dos petistas, que já elegeram 2024 como o ano da explosão dos gastos em nome do sucesso eleitoral em outubro.
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