O bilionário Mark Zuckerberg, proprietário e CEO da Meta, empresa dona de mídias sociais como Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou na terça-feira uma reviravolta em suas políticas de moderação de conteúdo. Ao longo dos últimos anos, Zuckerberg foi um dos principais defensores de uma postura mais agressiva na remoção de publicações ou perfis, mas agora diz reconhecer que isso levou a inúmeros episódios que extrapolaram o combate a crimes cometidos pela internet e a informações comprovadamente falsas divulgadas pelas redes; o resultado foi a censura pura e simples a informações e opiniões legítimas, que no entanto destoavam de supostos consensos a respeito de vários temas considerados controversos, levando à criação de tabus nas mídias sociais, em termos de assuntos “vetados” e opiniões “proibidas”. “Chegamos a um ponto em que são apenas muitos erros e muita censura”, afirmou.
Em vídeo publicado em seus perfis no Facebook e no Instagram, Mark Zuckerberg disse que substituirá a parceria com agências de checagem por um sistema de “notas da comunidade” semelhante ao instaurado no X sob a gestão de Elon Musk, em que afirmações falsas ou descontextualizadas são desmentidas pelos próprios usuários da rede social. Por enquanto, a mudança será implantada apenas nos Estados Unidos, afirmou o CEO da Meta. Ele ainda acrescentou que pretende “se livrar de várias restrições em assuntos como imigração e gênero que simplesmente estejam fora de sintonia com o discurso dominante”, em um reconhecimento implícito de que seus moderadores estavam censurando a mera discordância em certos assuntos, em vez de se concentrar na moderação de publicações criminosas ou factualmente falsas.
Aqueles que se acham no direito de decidir o que os outros devem pensar ou dizer manifestaram sua imediata reação negativa ao anúncio de Zuckerberg
O bilionário ainda acusou agentes estatais de forçar as mídias sociais a censurar publicações e contas. Ele já havia afirmado, em ocasiões anteriores, que o governo Joe Biden havia pressionado a Meta para bloquear conteúdos sobre a pandemia de Covid-19; desta vez, Zuckerberg acrescentou que “países latino-americanos têm cortes secretas que podem forçar as empresas a remover conteúdos silenciosamente” – o CEO da Meta não mencionou nenhuma nação explicitamente, mas qualquer brasileiro que não tenha hibernado nos últimos seis anos sabe que a referência se encaixa como uma luva ao caso brasileiro.
Aqueles que se acham no direito de decidir o que os outros devem pensar ou dizer manifestaram sua imediata reação negativa ao anúncio, a ponto de reportagens jornalísticas terem acusado Mark Zuckerberg de fazer afirmações sem provas. No entanto, o que o CEO da Meta afirmou é algo de que já se suspeitava havia muito tempo – na melhor das hipóteses, pois em outras há até mesmo evidência documental. A respeito dos checadores, que segundo Zuckerberg “têm sido politicamente tendenciosos demais e destruíram mais confiança do que criaram”, a atuação de algumas dessas agências é questionada há anos justamente pelo viés ideológico apontado pelo dono do Facebook e do Instagram – no Brasil, há ao menos um caso de fundador de agência de checagem com cargo comissionado em governos petistas.
E Mark Zuckerberg pode até ter exagerado ao falar em “cortes secretas”, mas o teor de sua denúncia é totalmente verdadeiro no caso do Supremo Tribunal Federal, que tem ordenado a remoção de conteúdos e de perfis inteiros em todas as mídias sociais por meio de ordens sigilosas, nas quais nem mesmo se alega os motivos para os bloqueios. Os Twitter Files Brazil, revelados em abril do ano passado pelo jornalista Michael Shellenberger em parceria com a Gazeta do Povo, e as mensagens trocadas entre assessores de Alexandre de Moraes no STF e no TSE, divulgadas em agosto de 2024 por Glenn Greenwald, são evidência mais que suficiente de um modus operandi no qual o segredo é parte essencial.
Muito mais preocupante que a reação midiática, no entanto, é a reação de agentes públicos, como a de João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), para quem Zuckerberg faz um “convite para o ativismo da extrema-direita”; ou do advogado-geral da União, Jorge Messias, que viu na mudança de políticas da Meta mais uma razão para “criar um novo marco jurídico para a regulação das redes sociais no Brasil”. O marqueteiro Sidônio Palmeira, que assumirá a Secom na próxima semana, disse que a decisão da Meta “é ruim para democracia” e que “a gente precisa ter um controle. É preciso ter uma regulamentação das redes sociais”. São declarações que apenas reforçam uma sensação já bastante difundida entre os brasileiros: a de que o governo federal tem interesse total em controlar a informação que circula nas mídias sociais. O fato de o Ministério Público Federal já ter informado que pretende oficiar a Meta sobre as novas regras da big tech, dentro de um inquérito em curso desde 2021, ainda deixa implícito que, caso as novas políticas de moderação sejam aplicadas também no Brasil, as mídias sociais de propriedade de Zuckerberg correm o risco de sofrer censura semelhante à imposta ao X.
Com o julgamento do Marco Civil da Internet em andamento no STF, infelizmente é possível que, no caso brasileiro, Zuckerberg tenha acordado tarde demais
Não se pode ser ingênuo a ponto de transformar Mark Zuckerberg em um novo paladino da liberdade de expressão – até Elon Musk já recuou e, depois de dizer em agosto que “não haveria como explicar nossas ações sem ficarmos envergonhados” caso cumprisse as ordens abusivas de Moraes fossem obedecidas, baniu os perfis indicados pelo ministro para conseguir que o X voltasse a funcionar no Brasil. É mais possível que o CEO da Meta tenha percebido para onde o vento sopra, após a eleição de Donald Trump, e esteja se adaptando às circunstâncias. Mesmo assim, é uma mudança importante. As big techs foram parte importante da montagem do sistema de censura instaurado na internet ao longo dos últimos anos, afirmando serem meras plataformas enquanto comportavam-se como publishers pouco transparentes em relação a seus critérios de moderação; que Facebook e Instagram sigam a trilha do X para começar a desmontar essa estrutura censora é um passo importante para fazer das redes um ambiente que saiba conciliar o combate ao crime e à mentira com a defesa firme da liberdade de expressão.
No entanto, infelizmente é possível que, no caso brasileiro, Zuckerberg tenha acordado tarde demais. Os ministros do STF estão caminhando para a instalação de um sistema que terceiriza o trabalho de censura, pretendendo impor às mídias sociais um “dever de cuidado” que tornará as big techs juridicamente responsáveis por conteúdo não apagado, independentemente de decisão judicial ou notificação que conteste a publicação. Em nota publicada em dezembro de 2024, a Meta afirmou, de forma certeira, que “nenhuma grande democracia no mundo jamais tentou implementar um regime de responsabilidade para plataformas digitais semelhante ao que foi sugerido até aqui no julgamento no STF” sobre o Marco Civil da Internet, mas o fato é que, se os liberticidas vencerem no Supremo, Facebook, Instagram e outras mídias não terão muita escolha, a julgar pela queda de braço perdida pelo X. Que Zuckerberg, Musk e outros magnatas das big techs finalmente percebam o absurdo brasileiro e o denunciem é importante, mas o risco de que a liberdade que eles desejam oferecer a seus usuários mundo afora não chegue por aqui é grande demais para que possamos começar a celebrar.