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Editorial

A paixão brasileira por medidas isoladas e ineficazes

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Maioria das medidas governamentais na economia se resume a manter a economia aquecida pelo estímulo ao consumo. (Foto: Albari Rosa/Foto Digital/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Para o tamanho da população brasileira (213,4 milhões de habitantes em julho de 2025), a economia brasileira é muito pequena. A principal prova dessa afirmação está no resultado da divisão do PIB de US$ 2,2 trilhões pela população, que dá um PIB por habitante de US$ 10,3 mil/ano, considerado pequeno na comparação com outros países. Os Estados Unidos, por exemplo, têm uma população de 340,1 milhões e PIB de US$ 29,2 trilhões, resultando num PIB por habitante de US$ 85,8 mil/ano, o que mostra o quanto o Brasil está atrasado.

O Brasil não só tem uma economia pequena em termos comparativos, como também não tem tido crescimento econômico capaz de mudar essa realidade nas próximas duas ou três décadas. Um fenômeno social adicional que interferirá seriamente no desempenho econômico do país é a interrupção do aumento da população a partir de meados da década de 2040/2050. Se ao fenômeno da estabilização da população for somado o envelhecimento acelerado, a capacidade de crescimento da economia brasileira ficará bem menor, com o efeito de inviabilizar o aumento do PIB por habitante a taxas suficientes para tirar o país da atual situação de pobreza e da condição de nação subdesenvolvida.

A dinâmica populacional está confirmando a perda do bônus demográfico, que existe quando o número de pessoas em idade de trabalhar é maior que o número de crianças e idosos sem condições de trabalhar. Se enquanto usufruiu do bônus demográfico o país não conseguiu ter aumento do PIB a taxas elevadas, ao caminhar para o fim do bônus o crescimento econômico perderá vigor e energia, e as taxas de aumento do PIB podem se tornar estruturalmente muito baixas. Um quadro econômico resultante desse tipo de situação, especialmente as baixas taxas de crescimento do PIB, inviabilizaria a hipótese de o país ter aumento da renda por habitante acima de US$ 30 mil/ano, que é o valor mínimo necessário para ingressar no clube das nações desenvolvidas.

Medidas de incentivo ao consumo podem não funcionar se não houver outras medidas que destravem o investimento, diminuam os tributos e deem previsibilidade a empresários e investidores

Embora seja altamente relevante, o problema demográfico não é o único fenômeno que trava o crescimento do Brasil. O país tem sérios gargalos estruturais e outros conjunturais. Entre as deficiências estruturais estão a conhecida baixa taxa de investimento em infraestrutura física, que é de apenas 17% do PIB quando o ideal é que fosse de 25%; a enorme e mal construída carga tributária; o corpo de leis instáveis e confusas; o excesso de burocracia estatal; o opressor sistema de regulação e intervenção no domínio econômico; o sistema judicial lento e pouco eficaz; a baixa confiança dos investidores nas instituições; e a eterna instabilidade política.

Quanto às deficiências conjunturais, o Brasil se acostumou a ter governos que se elegem sem um programa de governo bem estruturado, ou sem qualquer plano, mas apenas com ideias gerais. O país normalizou tanto essa situação que os governantes tomam medidas, mudam políticas antigas, inventam políticas novas ruins e surpreendem a sociedade o tempo todo com as mais desvairadas medidas e ações que nada têm a ver com o que dizem em suas campanhas eleitorais. Se é verdade que já durante a campanha eleitoral de 2022 Lula já antecipava quatro anos de irresponsabilidade fiscal e gastança, ainda assim muitas medidas tomadas no campo da economia e da política externa não foram apresentadas ao país durante a disputa pelo Planalto.

Nesse cenário, o que se tem visto é a ineficácia de medidas isoladas, principalmente na economia e nas relações internacionais. Muito do que o governo está fazendo de concreto na política econômica interna, nas relações econômicas internacionais e nos assuntos políticos exteriores, a exemplo da hostilidade aos Estados Unidos e do apoio ao Hamas e ao Irã, constitui um conjunto de posições que não foram explicitadas por Lula na disputa eleitoral. De certa forma, a não apresentação de um plano de governo durante a campanha foi uma estratégia deliberada, justamente para Lula não se comprometer e, uma vez no poder, sentir-se livre para fazer o que quiser.

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O quadro geral da economia brasileira mantém as características de uma economia burocratizada, com leis instáveis e que mudam a toda hora, e lentidão no crescimento do PIB. O próprio Lula havia dito, antes de se eleger, que o país precisa destravar o crescimento e cuidar da previsibilidade. No entanto, autoridades e políticos mantêm a crença na ideia de que o consumo das pessoas é que puxa a atividade econômica, promove o emprego e leva ao aumento do PIB. Com base nisso, o governo vive inventando mecanismos para pôr dinheiro nas mãos das pessoas a fim de que elas gastem mais, mesmo que para tanto tal prática possa levar o endividamento das famílias a níveis perigosos.

Mais recentemente, o governo levou adiante a proposta de isentar do Imposto de Renda as pessoas com ganho mensal de até R$ 5 mil, prometeu aumento das linhas de crédito para empréstimos destinados à compra da casa própria, e anunciou um programa para distribuição de gás – tudo na linha de aumentar o consumo das pessoas. Sem entrar no mérito dessas medidas, a economia somente consegue crescer e gerar empregos se houver resposta da oferta resultante de aumento da atividade do setor produtivo. Ou seja, é o aumento da produção total do país que gera emprego, renda e tributos, e faz o país crescer e elevar a renda por habitante.

Medidas de incentivo ao consumo podem não funcionar se não houver medidas que destravem o investimento, facilitem o crédito empresarial, reduzam as incertezas, diminuam os tributos e deem previsibilidade aos empresários e investidores. Esse o caso do Brasil, em que a economia é travada por leis, controles e intervenções governamentais que inibem o espírito de iniciativa e desestimulam o ímpeto empreendedor. O país pede medidas que levem a mais investimentos, mais negócios e mais empregos, e elas têm mais chance de sucesso quando estão estruturadas em um programa econômico sólido e duradouro. Medidas isoladas, principalmente as que surgem de forma improvisada e oneram o setor produtivo, constituem receita para a ineficácia e o fracasso na tentativa de promover o crescimento a taxas elevadas.

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