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editorial

Microcefalia e eugenia

Os militantes pelo direito ao aborto estão vendo nos casos de microcefalia associados ao zika vírus mais uma oportunidade de alargar, nos tribunais, as possibilidades para que as mulheres possam interromper a gravidez. A antropóloga e ativista Débora Diniz já anunciou que ela e outros responsáveis pela ação bem-sucedida no Supremo Tribunal Federal a respeito do aborto de anencéfalos pretendem provocar a corte suprema no caso da microcefalia.

A microcefalia é uma condição em que o cérebro e o crânio da criança têm tamanho menor que o habitual, prejudicando seu desenvolvimento psicomotor; outras possíveis consequências incluem convulsões, paralisia e epilepsia. A doença não tem cura, mas o tratamento adequado, incluindo a fisioterapia, pode mitigar alguns dos sintomas. E aqui reside a grande diferença entre os casos de anencefalia, em que o bebê normalmente sobrevive apenas por algumas horas após o nascimento, e a microcefalia, que não é uma condição fatal – em dezembro, a imprensa relatou a história de Ana Carolina Cáceres, que nasceu em 1991 e acabou de se formar em Jornalismo, tendo escrito um livro sobre sua história. “Eu tenho 25 anos. Conheço muita gente com microcefalia que tem 30, 40 anos e trabalha, tem uma formação. Eu sou uma prova viva de que essa doença ‘não é tudo isso’”, afirmou.

No aborto eugênico, o bebê, além de ser indefeso e inocente, é considerado imperfeito, indesejado, indigno de viver, nem que seja por algumas horas

A própria Débora Diniz é consciente desta diferença. “Na anencefalia os bebês não nascem vivos e assim escapávamos de um debate moral. Hoje, sabemos que a microcefalia típica é um mal incurável, irreversível, mas o bebê sobrevive (na maioria dos casos). Portanto trata-se do aborto propriamente dito e isso enfrenta resistência”, afirmou à BBC, omitindo o fato de que bebês anencéfalos nascem, sim, vivos, e de que é impossível “escapar do debate moral” e ético quando o tema é aborto.

Ora, não há outro nome para designar as pretensões da antropóloga a não ser eugenia. Se qualquer aborto é a eliminação de um ser humano indefeso e inocente, no aborto eugênico – seja em casos de anencefalia, de microcefalia ou de qualquer outra doença – o bebê, além de ser indefeso e inocente, é considerado imperfeito, indesejado, indigno de viver, nem que seja por algumas horas. Essa mentalidade é contrária ao respeito mais básico à dignidade humana. As crianças com anencefalia, microcefalia, síndromes de Down ou de Edwards, para citar apenas algumas doenças, não são “sub-humanas”: são merecedoras de respeito e proteção – aliás, até mais respeito e proteção, devido à sua condição. Buscar abreviar deliberadamente sua existência por meio do aborto não condiz com o que se espera de uma sociedade evoluída.

E, se as crianças merecem tal proteção, não é possível de forma alguma que nos esqueçamos das mães. Solidarizamo-nos com as mulheres que descobrem, ainda durante a gestação, que seus filhos são portadores de alguma destas condições, e entendemos a angústia que isso provoca. O que se espera da sociedade e do poder público, diante de uma situação dessas, é que acolha essas mães e suas crianças, oferecendo-lhes todas as condições de uma vida digna. O aborto não ajuda em nada nesse acolhimento; pelo contrário, é uma crueldade não apenas com os filhos mortos, mas com as mães, tornadas cúmplices dessas mortes.

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