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Monark, Kim Kataguiri e Tábata Amaral durante a gravação do podcast em que o influenciador defendeu a possibilidade da existência de um partido nazista.
Monark, Kim Kataguiri e Tábata Amaral durante a gravação do podcast em que o influenciador defendeu a possibilidade da existência de um partido nazista.| Foto: Reprodução YouTube

O influenciador e YouTuber Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark, tem tudo para liderar qualquer ranking de “castigos sem crime” na ofensiva contra a liberdade de expressão atualmente em curso no Brasil. Ele já foi censurado repetidas vezes, desmonetizado ou banido de mídias sociais, multado, e indevidamente investigado por um crime de desobediência. Tudo isso sem uma única denúncia apresentada à Justiça contra si, já que não é crime fazer críticas ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral, nem entrevistar desafetos do atual regime – a única exceção, até agora, era uma ação do ex-ministro da Justiça e agora ministro do STF Flávio Dino e que está suspensa. Mas, de tanto verem os dedos apontados contra Monark, os aprendizes de Lavrenti Beria instalados no Ministério Público finalmente resolveram acusá-lo de algo, e a medida não poderia ser mais cômica, se não fosse trágica: o influenciador foi denunciado por nazismo.

Ação ajuizada na semana passada pretende impor a Monark uma multa de R$ 4 milhões devido a falas suas em um podcast realizado em fevereiro de 2022, com a participação dos deputados federais Kim Kataguiri e Tábata Amaral. Na ocasião, ele defendeu que nazistas deveriam ter o direito de se organizar em um partido político. “As duas [ideologias, nazismo e comunismo] tinham de ter espaço, na minha opinião. Eu sou mais louco que todos vocês: tinha de ter o partido nazista reconhecido pela lei!”, afirmou, acrescentando ainda que “se um cara quisesse ser antijudeu, eu acho que ele tinha o direito de ser”.

Não se tratava de um debate sobre nazismo, nem de apologia ao regime genocida de Hitler, mas sobre os limites da liberdade de expressão. É assunto que pode e deve ser discutido livremente

As frases são sem dúvida chocantes, mas precisam ser esmiuçadas. Afinal, o debate entre Monark e seus convidados não girava em torno de uma suposta bondade do nazismo – a maldade do regime de Hitler, ali, não é explicitamente mencionada, mas está implícita no debate –, mas das melhores formas de combater ideias nefastas. Monark e Kataguiri defendiam que a criminalização era contraproducente e que ideias ruins deveriam poder vir à luz para que fossem devidamente desmascaradas, e foi por isso que o influenciador argumentou que “se você banir eles (sic) de estar no público, eles vão pro subsolo e lá vão proliferar de um jeito muito mais eficiente”.

Ou seja, não se tratava de um debate sobre nazismo, nem de apologia ao regime genocida de Hitler, mas sobre os limites da liberdade de expressão – e também de associação, já que parte da conversa tratou da organização de partidos políticos. É assunto que pode e deve ser discutido livremente, e tanto é assim que algumas das maiores cabeças da filosofia política, como Karl Popper, John Rawls e Michael Walzer, citados por esta Gazeta em outra oportunidade, se debruçaram sobre ele. Tampouco se poderia argumentar que Monark estaria defendendo a existência de um partido nazista à revelia da lei atual brasileira; está implícito no seu comentário que a legislação deveria ser alterada para que algo assim ocorresse, e a jurisprudência e a doutrina brasileiras sobre liberdade de expressão afirmam claramente que não é crime criticar uma lei ou defender uma mudança realizada pelo Poder Legislativo.

Por mais surpreendente que isso possa parecer a muitos, a posição de Monark – e, em certo grau, também de Kataguiri – não é uma bizarrice retirada dos porões de algum submundo supremacista da internet; ela lembra em muito a doutrina norte-americana sobre a liberdade de expressão, que naquele país assume contornos bem mais permissivos que no Brasil, chegando perto de uma absolutização na qual praticamente tudo poderia dever ser dito sem sanção legal. É assim, por exemplo, que uma entidade que combate a cultura do cancelamento nas universidades é capaz de publicar uma defesa do direito de pedir o genocídio dos judeus, no contexto de manifestações pró-Hamas em ambientes acadêmicos norte-americanos. Isto pode nos soar absurdo, certamente ofende a sensibilidade de judeus em todo o mundo, mas está em linha com a tradição de defesa da liberdade de expressão construída nos Estados Unidos.

Tudo isso posto à mesa, temos de dizer, no entanto, que não compartilhamos desta linha de pensamento. Embora a defesa de uma liberdade de expressão praticamente sem limites seja uma posição legítima e defensável no debate filosófico, acreditamos que a criminalização de discursos preconceituosos e desumanizadores, como o nazismo e o racismo, é positiva para a sociedade, que não precisa estar diretamente exposta a tais discursos para que eles sejam devidamente desmascarados. A história já demonstrou os riscos da absolutização da liberdade de expressão; o Holocausto e outros massacres só foram possíveis porque ideias desumanizadoras puderam circular, organizar-se politicamente e conquistar adeptos livremente.

Transformar uma posição permissiva a respeito da liberdade de expressão em apologia ao nazismo revela uma enorme dificuldade, uma impossibilidade até, de compreender e interpretar o que realmente foi dito no podcast

No entanto, se Monark está (a nosso ver) enganado sobre o grau de liberdade que nazistas deveriam ter para falar e se organizar, erra muito mais o Ministério Público em sua denúncia. Transformar uma posição permissiva a respeito da liberdade de expressão em apologia ao nazismo revela uma enorme dificuldade, uma impossibilidade até, de compreender e interpretar o que realmente foi dito no podcast, ainda que de uma forma bem menos elegante em comparação com a defesa da mesmíssima ideia feita por expoentes da filosofia política. Parece não passar pela mente dos promotores do MPSP que é totalmente possível repudiar uma ideia e ainda assim defender o direito de outros a manifestarem-na, e com essa mentalidade extremamente limitada acaba-se criminalizando toda uma doutrina a respeito da liberdade de expressão – não qualquer doutrina, mas aquela adotada por uma das democracias mais sólidas do planeta, ainda que dela discordemos. Diante de um desconhecimento tão grotesco, é de se questionar que autoridade teriam os pareceres usados pelo MP na denúncia e que “comprovaram, com sólida fundamentação técnica, a postura racista, o antissemitismo e o nazismo no comportamento do réu”.

Os limites à liberdade de expressão no Brasil estão bem definidos na legislação, e incluem a criminalização do racismo e a apologia ao nazismo. No entanto, opiniões equivocadas, insensatas, absurdas e mesmo chocantes que não cruzem este limiar deveriam ser tratadas como tais e combatidas não com o braço estatal, mas pelo livre embate de ideias. É o caso das opiniões defendidas pelo influenciador; não se tratou de fala racista ou antissemita, mas de uma posição a respeito dos limites às liberdades democráticas – uma posição da qual discordamos, mas da qual não podemos ter a pretensão de retirar legitimidade. Ao ignorar nuances que nem são tão difíceis de distinguir, transformar em preconceito o que não passa de filosofia política feita com linguagem de botequim, denunciar Monark e exigir dele uma multa desproporcional, o Ministério Público paulista demonstra desconhecer completamente a boa doutrina sobre a liberdade de expressão e parte para uma banalização da censura, sufocando debates legítimos e importantes, especialmente nos dias que correm.

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