Nicolás Maduro e Lula estão de mal. O ditador venezuelano e seus asseclas não ficaram nada satisfeitos com a primeira atitude concreta do Brasil que pode soar como reprovação à fraude eleitoral cometida em julho deste ano. Durante a recente reunião de cúpula dos Brics, na Rússia, o bloco aprovou um processo preliminar de adesão para 13 países que se tornariam “Estados parceiros” – a lista tem Cuba e Bolívia, mas não a Venezuela, que tinha interesse em se juntar aos Brics, mas foi barrada pelo Brasil. O episódio fez disparar a metralhadora verbal dos venezuelanos e, mais recentemente, Caracas também adotou medidas tradicionalmente vistas como sinais de um estremecimento diplomático.
O procurador-geral Tarek Saab, que já havia acusado Lula de ser um “agente da CIA”, disse que o presidente brasileiro forjou o acidente doméstico que o impediu de ir à Rússia. A chancelaria venezuelana criticou em nota a atuação brasileira para barrar a entrada da Venezuela nos Brics, chamando-a de “gesto hostil”. Logo em seguida, o ditador em pessoa entrou em cena para afirmar que o Itamaraty “sempre conspirou contra a Venezuela” e age a mando dos Estados Unidos. A polícia chavista foi às mídias sociais afirmar, em tom de ameaça, que “quem mexe com a Venezuela se dá mal”. Sobrou até para Celso Amorim, o chanceler brasileiro de facto, responsável por alinhar o Brasil ao que há de pior no mundo, e que pode ser declarado “persona non grata” pelo Legislativo chavista. Além das bravatas todas, a Venezuela chamou a Caracas seu embaixador em Brasília, e convocou o encarregado de negócios brasileiro na capital venezuelana para manifestar “repúdio” às recentes ações brasileiras.
Maduro tem muito pouco do que reclamar no caso do Brasil; Lula sempre defendeu seu colega ditador, e até agora se recusa a denunciar a farsa chavista na apuração dos votos de 28 de julho
Que ditadores tendem a ficar cada vez mais paranoicos, enxergando inimigos em todos os lugares, à medida que se eternizam no poder é um fato histórico. Mas a verdade é que a Venezuela tem muito pouco do que reclamar no caso do Brasil. Antes da farsa de 28 de julho, Nicolás Maduro e Lula eram unha e carne: o brasileiro trabalhou incansavelmente pela reabilitação de seu camarada venezuelano, recebeu-o com tapete vermelho em Brasília, e fechou os olhos a todas as violações dos Acordos de Barbados, chegando a classificar como “choro de perdedor” as reclamações das forças democráticas sobre a arbitrária inabilitação de María Corina Machado, a vencedora das primárias da oposição. Lula jamais classificou o que ocorre na Venezuela como “ditadura” – no máximo, afirmou que ali vigora um “regime desagradável”, e isso depois que Maduro já havia roubado de Edmundo González a vitória na eleição presidencial.
Na contramão de quase todo o Ocidente democrático, o Brasil até hoje se recusa a denunciar a farsa na apuração dos votos em 28 de julho, quando a autoridade eleitoral venezuelana, dominada pelo chavismo, suspendeu a apuração e declarou Maduro vencedor. Lula e seu colega colombiano, Gustavo Petro, insistem na apresentação de boletins de urna que jamais virão à luz por iniciativa da ditadura de Maduro, enquanto ignoram todas as evidências apresentadas pela oposição e reconhecidas pelos observadores internacionais que estiveram na Venezuela, atestando que González recebeu a maioria dos votos e venceu o pleito. Essa postura não é sinônimo de neutralidade; é uma omissão deliberada que joga a favor de Maduro.
Uma prova da pusilanimidade e Brasil e Colômbia está no que o chanceler colombiano, Luis Gilberto Murillo, escreveu no X nesta quarta-feira, em resposta a um professor universitário: “a apresentação das atas deve ser realizada antes do final do atual mandato presidencial, em 10 de janeiro de 2025. Caso contrário, como já expressou o presidente, a Colômbia não reconhecerá os resultados” da eleição. Estipular janeiro do ano que vem como fim do prazo para a apresentação de documentos que, em qualquer eleição normal, já deveriam ter sido divulgados antes mesmo da proclamação de um vencedor é um nonsense completo. Além disso, a Colômbia já não reconhece o resultado da eleição. O que mudaria depois de 10 de janeiro? O presidente Petro não receberia as credenciais diplomáticas de um representante de Maduro? A Colômbia reconheceria González como vencedor? O país passaria a apoiar sanções econômicas contra a Venezuela? Ninguém sabe e, se nada disso acontecer, o resultado prático será um reconhecimento tácito, informal, da “vitória” de Maduro. O mesmo se aplica ao Brasil, que reluta em dar o passo óbvio neste caso: o de reconhecer que houve uma fraude e que o vencedor é aquele que está exilado na Espanha para não se tornar preso político do regime bolivariano.
Na terça-feira, Amorim esteve na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e ofereceu sua visão sobre o episódio. “O Brasil concordou com Cuba [nos Brics] e não concordou com a Venezuela porque existe esse mal-estar. Eu espero que possa se dissolver à medida que as coisas lá se normalizem, os direitos humanos sejam respeitados, as eleições transcorram com normalidade, as atas apareçam, enfim, coisas desse tipo”, disse, manifestando uma esperança ingênua de que “as atas apareçam” e “os direitos humanos sejam respeitados” como que por mágica, além de uma referência muito estranha a eleições, que já transcorreram, e muito longe da normalidade. Mas o termo mais relevante é outro. Brasil e Venezuela não estão se afastando por questão de princípios, como se Lula fosse alguém de sólidas credenciais democráticas, que repudia ditaduras fraudadoras de eleições. Nada disso: o que existe é apenas um “mal-estar”. Uma desavença entre amigos, que mais cedo ou mais tarde há de se resolver, já que, lá no fundo, Nicolás Maduro e Lula trabalham pelo mesmo objetivo.
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