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Editorial

O avanço da “pejotização”

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5,5 milhões de brasileiros trocaram a carteira de trabalho pela abertura de um CNPJ desde 2022. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Desde 2022, 5,5 milhões de trabalhadores brasileiros abandonaram o emprego com carteira assinada, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para se tornarem pessoas jurídicas – a maioria deles, 4 em cada 5, optando pelo formato de Microempreendedor Individual (MEI). O Ministério do Trabalho e do Emprego está enxergando, neste movimento, indícios de fraude; no entanto, ainda que alguns casos de fato consistam em truques para driblar a tributação, a verdade é que o movimento em direção à chamada “pejotização” tem raízes muito mais profundas, e que estão em problemas estruturais do mercado de trabalho brasileiro.

O sindicalismo da velha guarda que domina o governo federal – e, particularmente, o Ministério do Trabalho – não consegue ver nessa migração da CLT para as PJs nada mais além de exploração: empregadores estariam forçando os trabalhadores a deixar a carteira de trabalho para se tornarem prestadores de serviço, pois com isso as empresas deixariam de arcar com os encargos trabalhistas; isso seria mais evidente no caso dos MEIs, já que neste modelo o faturamento máximo é de R$ 81 mil anuais, ou menos de R$ 7 mil mensais. É possível que algo assim esteja de fato ocorrendo? Sem dúvida; da mesma forma, também há a chance de empresas e trabalhadores estarem burlando a regra da reforma trabalhista de 2017 que proíbe uma empresa de demitir um funcionário e recontratá-lo como PJ em um ano e meio após a demissão. São situações que devem ser investigadas caso a caso.

Contratar custa muito caro no Brasil. Os encargos trabalhistas custam ao empregador quase 70% adicionais em relação ao salário acertado com o empregado

Falar em fraude generalizada, no entanto, serve apenas para mascarar uma absurda realidade: contratar custa muito caro no Brasil. Os encargos trabalhistas custam ao empregador quase 70% adicionais em relação ao salário acertado com o empregado, segundo a Escola de Administração de São Paulo da FGV (Eaesp-FGV). E mais natural que o desejo das empresas de reduzir esse custo é o desejo do trabalhador de receber mais pelo seu esforço, algo que a “pejotização” tem proporcionado em vários casos. O economista Nelson Marconi, da FGV-Eaesp, comparou remunerações de trabalhadores em vários modelos, e descobriu que em praticamente todos os setores pesquisados a remuneração média dos “pejotizados” é maior – as únicas exceções são eletricidade e gás, com salários quase iguais, e extração e refino de petróleo, com os CLT recebendo quase o dobro. Em áreas como saúde e assistência social, ou atividades imobiliárias, os “pejotizados” chegam a ganhar três vezes mais que os empregados com carteira assinada.

Meses atrás, o instituto Datafolha publicou pesquisa mostrando que 59% dos entrevistados prefeririam trabalhar por conta própria, contra 39% que preferem o contrato de trabalho tradicional – entre os mais jovens, a preferência pelo trabalho autônomo sobe para 68%. E, embora a maioria ainda considere que trabalhar com carteira assinada, ainda que recebendo menos, é mais importante que trabalhar sem carteira ganhando mais, este segundo grupo vem crescendo entre brasileiros de 25 a 44 anos, os que recebem mais de cinco salários mínimos mensais, e os mais escolarizados – justamente aqueles que têm mais conhecimento e condições de compensar por outros meios a falta da rede de assistência social proporcionada pela CLT, como FGTS e aposentadoria pelo INSS.

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Incapaz de perceber que o mercado de trabalho mudou e que tanto empregados quanto empregadores querem a liberdade de escolher como negociar os contratos, a esquerda insiste na CLT como o único modelo possível, ou ao menos o modelo ideal, de relação trabalhista. Mas, se o governo está realmente preocupado com a situação do trabalhador de menor renda que estaria sendo empurrado para a “pejotização”, e com isso perdendo seus direitos trabalhistas, qual seria a solução mais natural – e até bastante óbvia? Facilitar a formalização do emprego, o que inclui (mas não se limita a) reduzir os custos pesadíssimos que o empregador tem para contratar. No entanto, o que se vê por parte do Planalto e dos ministérios da Fazenda e do Trabalho é o exato oposto, por exemplo com a insistência na reoneração da folha, uma batalha que Lula venceu com a ajuda do STF. Neste cenário, não é surpresa nenhuma que a “pejotização” siga avançando, inclusive levando à queda nas contribuições para uma Previdência Social que já é bastante deficitária. Um tiro no pé, dado com muita convicção.

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