Diante da invasão russa à Ucrânia, a bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado parece ter decidido que era hora de lembrar aos brasileiros sobre o triste passado diplomático que o Brasil produziu durante os 13 anos em que o Itamaraty esteve sob o comando da sigla. Em nota assinada pelo líder dos petistas na casa, o senador Paulo Rocha, os parlamentares exibem sua adesão à tese disseminada por Moscou, de que a agressão à soberania e ao povo ucraniano seria uma resposta à “política imperialista” dos Estados Unidos, que motivaria uma contínua expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em direção às fronteiras russas.
O documento afirma também: “tal conflito, frise-se, é basicamente um conflito entre os EUA e a Rússia. Os EUA não aceitam uma Rússia forte e uma China que tende a superá-los economicamente”. Ainda que em alguns trechos tente fazer um aceno ao eleitor mais consciente, que tem horror à guerra, os autores não foram capazes de evitar uma omissão que salta aos olhos. O texto é encerrado sem fazer nem uma menção sequer aos ucranianos mortos e feridos nos bombardeios, nem aos milhares de civis que se amontoam nas fronteiras, buscando fugir desesperadamente com suas famílias da destruição iminente das cidades onde moravam.
Pelo desenrolar dos fatos, pode-se deduzir que o documento foi fruto da espontaneidade dos senadores, uma manifestação automática do pensamento petista sobre geopolítica, já que pouco tempo após a publicação a nota desapareceu das redes sociais e do site da bancada, sendo substituída por outro texto, mais ameno, assinado dessa vez não por um senador, mas pela presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffman. Não nos parece absurdo supor que, num ano eleitoral e com Lula liderando as pesquisas de intenção de voto, alguém os alertou que tal nível de sinceridade seria inoportuno.
Contudo, para o brasileiro não são necessárias novas amostras de simpatia com governos autoritários por parte do PT para sabermos com o que lidamos. A diplomacia praticada durante as gestões de Lula e Dilma, elaborada principalmente pelo ex-ministro Celso Amorim, em 2003, deixou manchas indeléveis em nossa reputação internacional. Ela foi centrada na aproximação do país com ditaduras que navegavam na contramão de toda a tradição brasileira de alinhamento com os valores expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Direito Internacional Público. Incluiu episódios lamentáveis como votações contra o Estado de Israel na ONU; alianças com regimes árabes totalitários; apoio ao ditador hondurenho Manuel Zelaya; vista grossa para abusos cometidos por governos da Bolívia e da Venezuela, além de movimentos terroristas como as Farc; aproximações inexplicáveis com o regime dos aiatolás iranianos; proteção para terroristas como Cesare Battisti; e investimentos duvidosos na economia de ditaduras comunistas como Cuba e Angola. Tudo isso, não raro, a despeito de derrotas diplomáticas evidentes, como nas eleições de membros brasileiros para o Banco Interamericano de Desenvolvimento e para a Organização Mundial do Comércio.
A diplomacia praticada durante as gestões de Lula e Dilma, elaborada principalmente pelo ex-ministro Celso Amorim, em 2003, deixou manchas indeléveis em nossa reputação internacional
Esta Gazeta do Povo acredita que fazer concessões à narrativa oficial de Moscou é o caminho contrário àquele que garante manutenção da paz e respeito às legítimas soberanias nacionais. Como destacamos anteriormente, estamos diante de um retrocesso na relação entre as nações, retornando às agressões expansionistas que vigoraram até a Segunda Guerra Mundial, com evidente desprezo pelos esforços diplomáticos para solução de conflitos.
É difícil não ver como mero pretexto a alegação de que a eventual entrada da Ucrânia na Otan é objetivamente um risco à segurança nacional da Rússia, ao ponto de justificar como única alternativa plausível a invasão armada. Basta ter em vista a tensa relação entre os dois países, desde 2014, após a chamada “Revolução Laranja”, quando a população ucraniana rejeitou maciçamente as decisões de um presidente simpático ao Kremlin, acusado de corrupção. Seguindo sua vocação antidemocrática, desde aquele momento, Putin nunca aceitou o desejo majoritário do povo ucraniano de sair da órbita de Moscou. Muito além de uma suposta ameaça às suas fronteiras, é isso o que incomoda o presidente russo e o impulsiona em seu ânimo belicoso: a perda de influência cada vez mais evidente sobre um ex-membro da União Soviética, cada dia mais próximo do Ocidente. E não se trata de qualquer país, mas sim um dos maiores celeiros da Europa, com reservas estratégicas de urânio.
É importante lembrar também que o sentimento de nacionalidade ucraniano e o desejo de distância da Rússia, nutrido por boa parte da população, tem raízes em lembranças dolorosas dos tempos de ocupação soviética, como o massacre do Holodomor, quando 12 milhões de pessoas morreram de fome e doenças correlatas devido a decisões desastrosas do governo soviético, entre 1932 e 1933. Esse componente está presente na resistência desesperada da população à invasão ora em curso, lamentavelmente sem o devido apoio das potências ocidentais.
O Partido dos Trabalhadores (PT), que possui quadros orgânicos na diplomacia brasileira, sabe muito bem o que está envolvido nesse jogo. Na encruzilhada civilizacional em que o mundo se encontra, esse grupo político escolheu um lado e assumiu posição clara. Ao relativizar um ato de guerra que já resulta em centenas de vítimas, promovido por um governo marcado pela arbitrariedade, os petistas mostram novamente ao público a que tipo de ordem global se filiam. Não será um apressado esforço para ocultar essa essência, com notórias razões eleitoreiras, o que fará o cidadão esquecer a que tipo de papel o Brasil se prestou enquanto foi regido por homens que pensavam dessa forma.
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