Na quarta-feira, um dia depois de derrubar vários vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei de abuso de autoridade, o Congresso Nacional analisou o caso da cobrança de bagagens despachadas por parte das companhias aéreas, que havia sido permitida pela Agência Nacional de Aviação Civil em 2016. Em maio deste ano, ao votar a MP 863/18, que abria o mercado aéreo ao capital internacional, o Legislativo derrubou a cobrança, mas este trecho foi vetado por Bolsonaro. Felizmente, o Congresso manteve este veto. O pagamento pelo despacho de bagagens em voos, por mais impopular que seja, é uma lição interessante sobre o valor da liberdade econômica e da concorrência.
Assim como no bordão liberal segundo o qual “não existe almoço grátis”, também não existe “bagagem gratuita”. O transporte das malas tem seus custos, que vão desde o pessoal necessário para levá-las do balcão de check-in até a aeronave (e dela até as esteiras, no desembarque) até o combustível adicional necessário para o voo, decorrente do aumento da carga que o avião precisa carregar. E esses custos não desaparecem só porque um burocrata decidiu que o despacho de bagagem é “gratuito”. Em um cenário no qual as empresas não podem cobrar por esse serviço, elas repassarão essas despesas, repartindo-as igualmente entre todos os passageiros, inclusive os que viajam apenas com malas de mão. Em outras palavras, a “gratuidade” é ilusória, pois todos pagam; o mesmo efeito, aliás, ocorre sempre que o Estado obriga prestadores de serviço ou comerciantes a oferecer outros tipos de “gratuidades” ou benefícios: o preço sempre será pago pelos demais.
Os custos não desaparecem só porque um burocrata decidiu que o despacho de bagagem é “gratuito”
Quando se deixa de lado a imposição intervencionista em favor da liberdade e da concorrência, os resultados costumam ser benéficos aos consumidores. É assim que, no caso da aviação, a possibilidade de cobrança pelo despacho de bagagem já serviu para atrair empresas estrangeiras que trabalham no sistema low cost, oferecendo tarifas mais baixas e permitindo que o passageiro pague apenas pelos serviços que efetivamente use – algumas dessas companhias já começaram a operar no Brasil, e outras já pediram autorização à Anac. Modelo semelhante, aliás, já é usado no ramo de hotelaria em vários países desenvolvidos, permitindo redução em valores de diárias. Liberdade e concorrência, aliás, não impedem que algum prestador de serviço resolva arcar com alguns custos, oferecendo autênticas gratuidades para atrair clientes, ou que um comerciante mantenha os preços habitualmente cobrados mesmo em situações de procura maior ou oferta mais escassa.
É evidente que esta liberdade não é absoluta – naqueles casos em que a dignidade humana está em jogo, admite-se, sim, algum grau de intervenção. Em locais afligidos por grandes catástrofes, por exemplo, o Estado pode agir para coibir abusos que impeçam o acesso da população atingida a bens de primeiríssima necessidade (como água, alimentos e medicamentos) que estejam concentrados nas mãos de comerciantes que aumentam desproporcionalmente os preços desses itens. Tais casos, no entanto, são extraordinários e nem de longe podem ser comparados a outras situações que costumam gerar reclamações, como o aumento dos preços de hospedagem e transporte em cidades ou países que receberão grandes eventos.
Assim, ressalvadas as situações-limite em que é preciso preservar a dignidade humana, a regra é a liberdade com estímulo à concorrência, deixando que cada ator possa determinar como (e por que preço) quer oferecer seus produtos e serviços, competindo pela preferência dos clientes e consumidores – enquanto estes são igualmente livres para escolher de acordo com os critérios que considerarem mais relevantes, como preço ou qualidade. Apenas em um ambiente de liberdade as pessoas de ambos os lados do balcão são capazes de compreender melhor como funciona a economia e de entender que o Estado não tem o poder de tornar nada “gratuito”.
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