A Economia é uma ciência social cuja dificuldade em firmar teorias resulta de que a observação de fatos concretos, a elaboração de perguntas sobre tais fatos, a formulação de hipóteses e, principalmente, os experimentos válidos e controlados não ocorrem em laboratório montado e operado por pesquisadores, como acontece em ciências físicas. Ou seja, o laboratório dos fatos econômicos é a sociedade inteira e seu funcionamento em tempo bastante longo. O laboratório social da Economia é composto pela natureza, estrutura de capital físico, trabalho humano, iniciativa empresarial, esforço produtivo e bilhões de decisões diárias feitas livremente pela população segundo seus papéis, preferências individuais e organizações coletivas, entre elas o sistema de governo.
Afora a natureza e o ser humano, os demais componentes que fazem parte da estrutura do sistema econômico e as instituições são criação do próprio ser humano. Por isso, a Economia somente consegue elaborar teorias válidas após a passagem do tempo em períodos longos de décadas e séculos, e a intervenção da sociedade por meio de suas instituições – a empresa, as instituições sociais e o governo – na tentativa de comandar os resultados do sistema. A tecnologia, a moeda e as formas de governo são elementos que levam economias aparentemente iguais a produzirem resultados diferentes à medida que as instituições referidas interferem no funcionamento e na operação do sistema, como um cientista que controlasse o desenvolvimento de uma bactéria por meio de intervenções enquanto ela é observada.
Atualmente o mundo está vivendo exemplos incomuns (caso dos Estados Unidos e Alemanha) de inflação ocorrida ainda durante a recessão e alto desemprego, aquilo que a literatura econômica chama de “estagflação”
A pandemia do coronavírus é um evento sanitário, uma catástrofe natural que por si só teria profunda interferência nesse grande laboratório chamado “planeta Terra”, ainda que o homem e as instituições públicas e privadas nada fizessem. Porém, para lutar contra a pandemia, as intervenções políticas, econômicas e sociais alteraram radicalmente o que era a normalidade da vida e do funcionamento econômico. A pandemia pode ser um evento natural, mas as medidas e intervenções para combatê-la são ações humanas que, embora com alguma variação de país para país, apresentaram aspectos parecidos, como o fechamento de indústrias, comércio e estabelecimento de serviços, isolamento social e retenção das pessoas em suas residências, durante um período longo o suficiente para criar um gigantesco caos quase silencioso que, inevitavelmente, desembocaria numa profunda recessão mundial.
Queda do produto das nações, desemprego, empobrecimento, desespero nas famílias sem renda, necessidade de ajuda emergencial do governo (necessária, porém insuficiente) e desorganização do sistema produtivo como há tempo não se via em escala global foi o que ocorreu como consequência da pandemia e das medidas para enfrentá-la. Os anos de 2020 e 2021 foram de recessão grave, e só houve começo de recuperação no segundo semestre de 2021, quando a vacinação mundial alcançou escala que permitiu redução da gravidade da Covid-19 e esperança de superação da pandemia. No último trimestre de 2021 e nos primeiros meses de 2022, constatou-se que a desorganização do sistema produtivo foi maior do que o imaginado, e a primeira consequência foi um grave choque de oferta, com expressiva queda da produção e diminuição dos bens e serviços disponíveis. O resultado conhecido foi o de sempre: inflação.
Até os anos 1930, o mundo praticamete não conhecia a combinação simultânea de inflação e recessão. Até então, a crença baseada na prática e na teoria geral era a de que, se há inflação e o país entra em recessão, a queda de produto bruto provoca forçosamente a diminuição dos preços. Na grande depressão dos anos 1930, as quedas de preços ocorridas foram tão grandes que, por um bom tempo, o que se viu foi deflação (redução generalizada e contínua dos preços). Pois atualmente o mundo está vivendo exemplos incomuns (caso dos Estados Unidos e Alemanha) de inflação ocorrida ainda durante a recessão e alto desemprego, aquilo que a literatura econômica chama de “estagflação”. Em alguns debates já foi colocada a indagação sobre se o aumento da demanda de bens e serviços promovida pelo fim do isolamento social não iria puxar o mundo para rápida recuperação da produção e do emprego (portanto, fim de qualquer recessão) e, com o aumento da oferta, também o fim da inflação. Ou seja, a retomada do crescimento do produto combinada com a queda da inflação poderia ocorrer, na visão de alguns analistas, o que seria um círculo virtuoso de crescimento, melhoria da renda por habitante e redução da pobreza.
A resposta a essa indagação não é simples, mas há quem prenuncie algo inédito: a produção mundial poderá ser retomada num primeiro momento (e isso já está acontecendo), mas a inflação não deve ceder; pelo contrário, pode até aumentar e jogar o mundo (ou parte dele) em recessão nos próximos anos. A explicação para essa hipótese indesejável reside em quatro fenômenos negativos ocorridos simultaneamente ao começo da superação da pandemia: a guerra entre Rússia e Ucrânia; a enorme desorganização no abastecimento de petróleo, gás e fertilizantes agrícolas (em parte como consequência da guerra); a explosão dos preços do petróleo; e o agravamento da insegurança alimentar pelo descompasso entre o crescimento da demanda por alimentos e a produção agropecuária. Há outros fenômenos econômicos e políticos que poderiam ser citados, mas apenas esses quatro já têm capacidade para criar um caos bastante grande.
A esta altura, o esforço deve se concentrar no levantamento dos problemas, nas análises de suas causas e consequências imediatas e (o mais difícil) quais medidas os países poderiam tomar para combater o mal, por meio do governo, empresas e sociedade, numa espécie de pacto contra mais crise, mais recessão e mais instabilidade política e econômica. O debate está aberto. Infelizmente, em ano de eleição é quase impossível a costura de qualquer pacto nacional.
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