Faz algum sentido que um candidato a cargo público seja impedido de usar imagens de comícios, atos que demonstram a dimensão do apoio popular que ele tem, em suas peças de propaganda eleitoral? Pois o Tribunal Superior Eleitoral acaba de decidir que sim: por unanimidade, na terça-feira, a corte manteve a liminar concedida pelo ministro Benedito Gonçalves no sábado, proibindo que Jair Bolsonaro use as imagens dos eventos do Sete de Setembro em Brasília e no Rio de Janeiro em seu material de campanha. Uma decisão que foi muito além do razoável e do que poderia se justificar em uma situação como essa.
Na liminar, Gonçalves – aquele mesmo que foi flagrado conversando muito amistosamente com Lula na recente posse de Alexandre de Moraes como presidente do TSE – determinou que a campanha de Bolsonaro deve “cessar a veiculação de todo e qualquer material de propaganda eleitoral, em todos os meios, que utilizem imagens do Presidente da República capturadas durante os eventos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência, atos realizados em Brasília/DF e no Rio de Janeiro/RJ no dia 07/09/2022”. No entanto, apesar de a decisão se referir a “eventos oficiais”, o entendimento que vem sendo aplicado é o de que mesmo as imagens dos atos de campanha, que já não tinham caráter oficial, também não podem ser utilizadas.
O trabalho da corte eleitoral é o de impedir vantagens indevidas, e não o de impor desvantagens indevidos
A alegação da coligação encabeçada pelo PT, que foi ao TSE solicitar a proibição do uso das imagens, é a de que ambos os atos, o oficial e o de campanha, se tornaram uma coisa só, bancada com dinheiro público. No entanto, a afirmação não se sustenta por motivos muito evidentes. A comemoração do Bicentenário da Independência – esta, sim, bancada com recursos públicos – é um evento que consiste em desfile oficial cívico-militar, com a presença de Bolsonaro (portando a faixa presidencial) e outras autoridades em tribuna de honra. Já o comício, ainda que tenha ocorrido logo na sequência do desfile, pode ser claramente distinguido do evento oficial por uma série de circunstâncias: Bolsonaro já não porta a faixa e se desloca para outro palanque “custeado pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo”, como afirma a própria liminar, ou seja, sem recursos públicos.
Mesmo a alegação de que Bolsonaro se beneficia, “‘ainda que indiretamente, de toda a estrutura organizada oficialmente’ e que havia atraído pessoas para comemorar o Bicentenário da Independência” não se sustenta; uma vez terminado o desfile cívico-militar – que tradicionalmente atrai muitos brasileiros em inúmeras cidades do país, independentemente de preferência político-partidária –, permaneceu para o comício quem assim o desejou. E não exageramos ao afirmar que boa parte dos presentes à Esplanada dos Ministérios neste Sete de Setembro estava mais interessada em apoiar Bolsonaro que em ver os carros armados e as tropas em desfile. O mesmo raciocínio, em sua inteireza, se aplica aos atos do Rio de Janeiro, onde o trio elétrico foi custeado pelo pastor Silas Malafaia – novamente, segundo o próprio texto da liminar.
Pode-se admitir, em nome do princípio da isonomia, que a campanha de Bolsonaro não possa utilizar as imagens dos atos oficiais, já que participar deles na condição de chefe de Estado é algo que não estava ao alcance de nenhum dos outros candidatos; pode-se, ainda, restringir o uso de imagens feitas pela TV Brasil, que é veículo de imprensa oficial. Mas a interferência do TSE deveria terminar ali. Não há razoabilidade alguma em se impedir a campanha de Bolsonaro de usar as imagens realizadas nos comícios, tanto em Brasília quanto no Rio, caso sejam oriundas de fontes não oficiais, seja de empresas contratadas pela campanha para a produção de vídeos, seja de imagens amadoras fornecidas por apoiadores.
A campanha de Bolsonaro tem evitado usar qualquer imagem do Sete de Setembro para não dar brechas a novas punições do TSE, mas a corte também está se omitindo em sua tarefa de deixar claro qual o alcance exato da liminar confirmada em plenário. No início do julgamento de terça-feira, o advogado Tarcísio Vieira, que representa a campanha de Bolsonaro, questionou se a proibição também se aplicava a tudo o que houvesse ocorrido antes e depois da cerimônia oficial; Gonçalves respondeu dizendo que a questão seria avaliada posteriormente. Da mesma forma, ficou sem resposta um pedido feito antes do julgamento, para que fosse permitido o uso de imagens não oficiais dos atos de campanha (ou seja, excluídos os desfiles cívico-militares). Esse esclarecimento é de suma importância, e é algo que os ministros poderiam muito bem ter definido já enquanto julgavam a liminar de Gonçalves.
O trabalho da corte eleitoral é o de impedir vantagens indevidas, e não o de impor desvantagens indevidos. Enquanto não vier uma definição mais precisa do alcance da decisão do TSE, qualquer outro candidato que tenha realizado comícios em seu apoio no dia da Independência pode usar as imagens do ato como bem entender, menos Jair Bolsonaro. Se o uso de imagens oficiais feitas em eventos oficiais fere de fato a isonomia entre os competidores, a dita “paridade de armas” também sai prejudicada quando um candidato fica impedido de veicular imagens produzidas de forma não oficial em atos de campanha, enquanto aos demais essa possibilidade fica aberta. Se o TSE não for capaz de compreender essa distinção básica, estará se portando como agente político e deixando de lado a necessária imparcialidade.
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