Embora a conta mais frequentemente mencionada nas discussões sobre política econômica seja a do resultado primário – aquele obtido considerando as receitas e despesas do governo, excluído o pagamento de juros da dívida –, um outro indicador também é relevante para se avaliar a saúde fiscal de um país: o resultado nominal, que inclui esse pagamento de juros. E, nos últimos meses, o déficit nominal brasileiro voltou aos mesmos níveis observados nos piores momentos da pandemia de Covid-19, com um rombo que, se já não é mais trilionário, continua bastante próximo desta marca.
No acumulado de 12 meses até março, segundo dados do Banco Central, o déficit nominal do país é de R$ 999 bilhões, dos quais R$ 829 bilhões correspondem apenas ao governo federal. É um número apenas ligeiramente melhor que o de fevereiro, quando o buraco era de R$ 1,015 trilhão. Em comparação, em janeiro de 2021 este mesmo indicador estava em R$ 1,017 trilhão. Há diferenças entre o período atual e o período de pandemia, é bem verdade, mas elas só servem para demonstrar que o vírus que assola o país hoje é de natureza bem diferente daquele que desorganizou completamente a economia de todo o mundo poucos anos atrás.
Pode-se argumentar que, como proporção do PIB, o déficit nominal atual acumulado em 12 meses (9,1%) é menor que os 13,5% registrados em outubro de 2020. Também pode-se argumentar que, hoje, a maior parte do déficit nominal vem dos juros, que seguem altos, enquanto na pandemia os juros estavam na mínima histórica e a maior parte do déficit correspondia aos gastos do governo para compensar os efeitos econômicos da Covid, como o auxílio emergencial e os pagamentos do programa para a manutenção de empregos. Tudo isso é verdade, mas também é verdade que os números do déficit nominal atual são muito semelhantes aos da recessão de 2015-16, provocada pela “nova matriz econômica” lulopetista e que superou a queda de 3,3% em 2020.
Culpar o Banco Central pelo trilionário déficit nominal recente, alegando que a maior fatia é determinada pelos juros, é resposta tão simplista quanto equivocada. A Selic é consequência de outros fatores, dos quais o mais relevante hoje é a gastança desenfreada promovida pelo governo federal. Um governo cada vez mais leniente com fracos resultados primários, e que já abriu mão de buscar o superávit primário neste ano e no próximo, não tem a menor condição de terceirizar a culpa pelos maus resultados. O socorro ao Rio Grande do Sul, após as catastróficas enchentes que atingiram todo o estado, exigirá mais despesas, mas bem antes disso o governo federal já vinha apontando para a elevação dos gastos, a ponto de o arcabouço fiscal proposto por Lula e Fernando Haddad, e aprovado pelo Congresso, prever elevação real da despesa independentemente do desempenho da economia.
Mesmo quando sonha em colocar as contas em ordem ou conseguir algum superávit primário no médio prazo, o governo pensa em fazê-lo apenas incrementando a receita, retirando cada vez mais dinheiro dos cidadãos e empresas, em vez de eliminar privilégios e despesas ineficazes, ou enxugar a máquina pública. A estratégia não tem como funcionar, mas comprova que o vírus da gastança embotou de vez a mente dos formuladores da política econômica nacional. E, infelizmente, a doença que esse vírus provoca tem tudo para atingir uma nação inteira.
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