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Aeroporto de Roma
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em sessão da corte eleitoral em maio de 2024.| Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF

Quando a Procuradoria-Geral da República pediu – e o ministro Dias Toffoli determinou – a reabertura das investigações sobre o entrevero envolvendo a família de Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma, e que haviam sido encerradas pela Polícia Federal sem nenhum indiciamento, não era muito difícil imaginar os futuros desdobramentos do caso. A PF trocou o delegado responsável, que pediu o indiciamento de Roberto Mantovani Filho; de sua esposa, Andreia Munarão; e de seu genro, Alex Zanatta Bignotto – e o delegado Thiago Severo, logo depois, foi nomeado para um cargo na Holanda. Agora, para surpresa de ninguém (nem sequer da defesa dos investigados), a PGR ofereceu a denúncia contra os Mantovani e, da mesma forma, não será nada inesperado que Toffoli transforme os três em réus.

Recorde-se que, em fevereiro deste ano, quando recomendou o arquivamento, a PF concluiu que tinha havido “injúria real”, que corresponde a “violência ou vias de fato”, na formulação do artigo 140, parágrafo 2.º do Código Penal, já que aparentemente Mantovani teria atingido não o ministro Moraes, mas seu filho, Alexandre Barci de Moraes. No entanto, como a injúria real tem pena pequena, o indiciamento era desaconselhado. Para requentar o caso e abrir caminho para a punição dos Mantovani, a solução encontrada por Severo e endossada pelo procurador-geral Paulo Gonet foi atribuir ao trio um outro crime, o de calúnia, cuja pena é de até dois anos, mas que pode sofrer acréscimo de até um terço quando ocorre contra “funcionário público, em razão de suas funções”, agravante que Severo fez questão de incluir no seu relatório.

Não há absolutamente nada, em todo esse episódio, que se possa considerar justo ou legítimo

Superada a dificuldade jurídica, por assim dizer, resta a dificuldade física: como comprovar a calúnia – e também a injúria e a difamação, que existiram de acordo com Severo, mas que não renderiam indiciamento – se as imagens fornecidas pelas autoridades italianas não tinham som? O que seria uma dificuldade intransponível em um sistema persecutório preocupado com a verdade dos fatos torna-se irrelevante no sistema persecutório brasileiro: se Alexandre de Moraes disse ter sido caluniado, quem precisa de provas?

É assim que Severo pôde escrever que, “mesmo que não se tenha o áudio relativo às imagens obtidas, todas as circunstâncias que envolvem o fato vão de encontro com a versão apresentada pelos agressores” e que os Mantovani e Zanatta “agrediram e ofenderam por razões completamente injustificáveis”. Tamanha reviravolta, ressalte-se, ocorreu sem que fosse incluído um único novo elemento à investigação, e Gonet chega ao ponto de afirmar que “os depoimentos das vítimas e das testemunhas confirmam a ocorrência (...) de atos de hostilidade”, sendo que a denúncia menciona única e exclusivamente os depoimentos de Moraes e sua família, sem uma referência sequer ao que os Mantovani disseram em sua defesa.

Não há absolutamente nada, em todo esse episódio, que se possa considerar justo ou legítimo. O princípio do juiz natural foi violado logo de início, já que nenhum dos Mantovani tem prerrogativa de foro; os investigados foram vítimas de pesca probatória com a apreensão de seus celulares, medida desnecessária na apuração do entrevero no aeroporto; a principal evidência (as imagens do aeroporto) segue em sigilo até hoje sem razões que o justifiquem; Toffoli incluiu Moraes e seus familiares como assistentes de acusação sem que houvesse ação penal em curso, o que contraria o Código de Processo Penal; um relatório da Polícia Federal foi simplesmente descartado e substituído por outro muito mais conveniente a Moraes; e os órgãos de investigação e persecução admitem com todas as letras que já não dependem das evidências para tirar as conclusões que desejem tirar.

Perseguição política, arbítrio, abuso, ditadura; dê-se o nome que for ao que está sendo imposto aos Mantovani, menos “justiça”. Tampouco se diga que “as instituições estão funcionando normalmente”, porque não estão – a não ser que tenhamos alterado o significado de “normalmente”, que já não descreveria um funcionamento como deveria ser, guiado pela lei, pelo devido processo legal e pelo direito à ampla defesa, e sim um “novo normal” em que vale simplesmente o desejo puro e simples de justiçamento e criação de “exemplos” a exibir, um procedimento que, de tão frequente (e tão pouco criticado), acabou se tornando o padrão do STF, da PF e da PGR. Como os réus do 8 de janeiro, os Mantovani estão prestes a ser pendurados em praça pública como exemplo do que ocorre a quem desagradar as supremas sensibilidades.

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