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Editorial

As prioridades para os novos presidentes da Câmara e do Senado

(Foto: Ramon Buçard/Unsplash )

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Duas decisões importantíssimas para o futuro do país serão tomadas nas duas casas do Legislativo nacional neste sábado (1º). Através do voto direto e secreto dos parlamentares, serão definidos os nomes que ocuparão a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado pelos próximos dois anos. Os eleitos tomarão posse na segunda-feira (3), durante sessão conjunta do Congresso Nacional que inaugura a nova sessão legislativa.

Não deve haver surpresas em relação aos candidatos que serão escolhidos pelos parlamentares para presidir a Câmara e o Senado. Tanto que Hugo Motta e Davi Alcolumbre, que contam com o apoio do governo e da oposição, já são tratados dentro do parlamento como os próximos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente. Quem são, quais suas inclinações, quais possíveis acordos políticos celebraram, não é segredo para ninguém. Seus perfis e ações foram exaustivamente expostos nos meios de comunicação nos últimos meses e estão alinhados com os de seus predecessores. Por isso, seria improvável esperar uma grande mudança nos rumos da Câmara e do Senado a partir de suas posses. Porém, supondo que os novos líderes das casas legislativas assumissem papéis e postura de estadistas, a exemplo de outros episódios na história em que a ascensão a um cargo foi acompanhada de uma aguda tomada de consciência dos próprios deveres, o que eles fariam – ou deveriam fazer?

Muito mais do que políticos habilidosos, capazes de transitar pelos meandros do poder, o Brasil precisa de verdadeiros estadistas, parlamentares corajosos, serenos, que tenham o brio de se opor às violações contra o Estado Democrático de Direito e trabalhem plenamente pela defesa das garantias constitucionais

A nenhum verdadeiro democrata ou a ninguém que tenha um mínimo de respeito pela Constituição escapa que a prioridade número um do país é o retorno à normalidade institucional, solapada nos últimos anos pela hipertrofia do Judiciário. Os incontáveis casos de desrespeito evidente à ordem constitucional, ao devido processo legal, às liberdades e direitos fundamentais, sobretudo à liberdade de pensamento e expressão, vindos do alto Judiciário brasileiro – ainda que se conceda, numa interpretação benigna, que estejam motivadas pelo desejo de “salvar a democracia” – são intoleráveis e precisam ser encerrados imediatamente, e depois trazidos à luz em sua totalidade.

Nesse sentido, nenhuma medida é mais relevante para o país do que a abertura de uma CPI que possa trazer à tona todas as decisões criticadas e submetê-las ao escrutínio público. Seria o mecanismo democrático mais apto a recolocar em perspectiva, com serenidade e equilíbrio, esse período turbulento da nossa República. Desde novembro de 2023, a oposição deixou protocolado na Câmara o requerimento de abertura da referida CPI, chamada de CPI do Abuso de Autoridade, que cumpre todos os requisitos constitucionais para o seu funcionamento: número mínimo de assinaturas de parlamentares, duração definida e objeto específico de investigação.

O requerimento, de autoria do deputado Marcel van Hattem, menciona explicitamente o inquérito das fake news e a Resolução 23.714/22 do Tribunal Superior Eleitoral, cuja combinação “está resultando em uma série de atos contrários aos direitos individuais mais sagrados e invioláveis tutelados em nossa Carta Magna”. São esses, de fato, os instrumentos principais – embora não exclusivos –, corretamente apontados pelo requerimento, de materialização da referida hipertrofia do Judiciário. É lamentável a omissão de Arthur Lira, que, ao que parece, não teve, em momento algum, a intenção real de instalar essa CPI e estar, assim, à altura de seu cargo.

A análise das Propostas de Emenda à Constituição e projetos de lei voltados a conter o transbordamento de poder decisório dos tribunais superiores, bem como a análise dos sucessivos pedidos de impeachment de membros do STF protocolados no Senado, vêm na sequência na ordem de prioridades do país. A presidência do Senado acumula um legado de covardia, de pusilanimidade, sob o comando de Rodrigo Pacheco, presidente da casa desde 2021, e recentemente anunciado como o “candidato de Lula” para o governo de Minas Gerais. Aliado do governo, Pacheco agiu para blindar o STF e os ministros da corte. Uma atitude minimamente mais lúcida e altaneira teria impedido muito da paulatina destruição da ordem democrática que estamos vivendo.

É bom lembrar que em setembro do ano passado foi protocolado um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, que reuniu quase 1,5 milhão de assinaturas de cidadãos de todo o país e o apoio de 156 deputados e vários senadores. Até o final de seu mandato, Pacheco ignorou o pedido e se manifestou contra a urgência da pauta. Além desse, outros pedidos de impeachment foram apresentados, contra Moraes e outros ministros do STF – todos deixados no esquecimento.

Analisar, sem açodamento, todos os pedidos de impeachment que se apresentam é o mínimo que se espera do presidente do Senado. Havendo elementos que evidenciam sua legitimidade, ele não pode se furtar a dar início ao processo, com serenidade. Não cabe ao presidente do Senado qualquer tipo de subserviência a outro poder, nem muito menos cumplicidade com seus desmandos.

É claro que, além das prioridades mencionadas acima, o Brasil espera dos novos presidentes uma atitude corajosa e inteligente, uma atuação como pacificador e garantidor da governabilidade, a capacidade de suscitar um diálogo respeitoso e fecundo entre os parlamentares, partidos e demais poderes, sem se deixar levar pelo caminho fácil da omissão e recusa a discutir temas que podem ser complexos, mas que são essenciais para a restauração da normalidade democrática.

Em suma, muito mais do que políticos habilidosos, capazes de transitar pelos meandros do poder, o Brasil precisa de verdadeiros estadistas, parlamentares corajosos, serenos, que tenham o brio de se opor às violações contra o Estado Democrático de Direito e trabalhem plenamente pela defesa das garantias constitucionais. Que não se omitam da responsabilidade de restaurar a normalidade democrática no país, que escolham trazer luz aos abusos cometidos pelo Judiciário e usem suas prerrogativas para colocar fim a tais excessos. Oxalá, os próximos presidentes da Câmara e do Senado nos surpreendam demonstrando ter essas qualidades durante os próximos dois anos.

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