Se o grau de cidadania se mede, entre outros fatores, pelo acesso da população a serviços considerados essenciais, quando havia mais “oferta de cidadania” no Brasil: quando a telefonia era assunto exclusivamente estatal e havia longas filas para se adquirir uma linha telefônica, bem que era até mesmo declarado no Imposto de Renda, ou quando empresas privadas ampliaram a oferta e reduziram os prazos para que o brasileiro pudesse se conectar ao mundo pelo telefone fixo, pelo celular ou pela internet? Pois foi com o argumento de “reforçar o papel” dos Correios e da Telebrás “na oferta de cidadania e ampliar ainda mais os investimentos” que o governo retirou essas e outras oito empresas do Programa Nacional de Desestatização ou do Programa de Parcerias de Investimentos, graças a um decreto assinado na semana passada pelo presidente Lula.
Até aí, nenhuma surpresa, pois o petismo sempre foi contrário a qualquer privatização; quando recorreu à iniciativa privada, o fez por puro espírito de necessidade, como quando admitiu (com atraso) que a Infraero jamais seria capaz de reformar e ampliar os aeroportos brasileiros em tempo para os megaeventos esportivos de 2014 e 2016. No caso específico dos Correios, havia a promessa explícita de Lula de que não haveria privatização, o que foi confirmado já nos primeiros dias de governo – para ajudar o petista, o projeto de lei que trata do assunto nem chegou a ser aprovado no Congresso, tendo passado apenas pela Câmara e empacado no Senado. A novidade é a ênfase no discurso de que a “oferta de cidadania” passa necessariamente pela posse estatal de empresas, falácia que a maioria dos adultos com um celular no bolso e sem antolhos ideológicos na cabeça é capaz de refutar. Afinal, há cidadania quando o cidadão recebe um serviço bem prestado, seja estatal ou privado. E os Correios podem até ter sido um orgulho nacional no passado, mas passaram por uma queda brutal de qualidade que, coincidência ou não, ocorreu durante a primeira passagem do petismo pelo poder.
No caso do serviço postal, o “interesse coletivo” exige apenas que o serviço seja bem prestado e com a capilaridade necessária, não que caiba necessariamente a uma estatal
De qualquer maneira, ainda que os Correios continuassem se pautando pela excelência que marcou a empresa no passado, isso não seria motivo para barrar sua privatização, como também não o seria o fato de ter lucro, ou de ser administrada com lisura total. O critério determinante é simples: se a iniciativa privada pode oferecer certos produtos ou serviços, então é ela, e não o Estado, que deve fazê-lo. Este raciocínio deriva do princípio da subsidiariedade e foi adotado também pelo constituinte de 1988. Quando o artigo 173 da Carta Magna afirma que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, ele trata a posse estatal de empresas como exceção, e não como regra. O truque dos estatistas, diante de um dispositivo tão claro, é tratar tudo como “segurança nacional” ou “interesse coletivo” que justifique a existência de uma estatal – até mesmo uma que fabrique chips, como a Ceitec, uma das empresas retiradas do PND.
No caso do serviço postal, o “interesse coletivo” exige apenas que o serviço seja bem prestado e com a capilaridade necessária, não que caiba necessariamente a uma estatal. Estatistas argumentam que os Correios privatizados logo abandonariam os rincões mais remotos do país, privando esses brasileiros de acesso até mesmo a outros serviços que os Correios prestam, como o de correspondente bancário. Por mais pertinente que seja tal preocupação, mais uma vez há de se dizer que manter os Correios na posse do Estado não é a única resposta. Um bom modelo de privatização e a fiscalização forte de agências reguladoras garantiriam que uma eventual empresa privada responsável pelo serviço postal não se limitasse a operar apenas nas áreas lucrativas. Os editais de concessão de grandes aeroportos levaram as concessionárias a investir também em terminais menores; os vencedores do leilão da telefonia 5G terão de implantar banda larga em escolas públicas e instalar o 4G nas rodovias federais e em cidades pequenas. Isso não desestimulou interessados que, em alguns casos, ofereceram ágio significativo para arrematar os lotes ofertados. O próprio texto da privatização dos Correios aprovado na Câmara já proibia o fechamento de agências em municípios pequenos e locais remotos. Mas seria demais esperar do petismo que aprovasse esse tipo de modelo de operação privada e fiscalização rigorosa, pois o partido não só tem ojeriza a privatizações, mas também vê com maus olhos as agências reguladoras.
Décadas de discurso estatizante que trata estatais como patrimônio “do povo”, quando na verdade elas são “do governo” (que inclusive as usa com fins bem espúrios – o mensalão, lembremo-nos, estourou graças a um outro escândalo de corrupção, nos Correios), infelizmente criaram uma aversão às privatizações na maioria da população. No entanto, uma crescente compreensão correta do papel do Estado e a experiência de poder comparar serviços públicos e privados estão começando a virar o jogo, mesmo que lentamente. Recente pesquisa Datafolha registrou apoio de 38% dos entrevistados às privatizações; ainda que se trate de uma minoria, este número era de 20% em 2017 e de 26% meros sete meses atrás. Podemos ter esperança de que, num futuro próximo, teremos uma maioria de brasileiros capazes de recusar as falácias estatizantes de Lula e do petismo.
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