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Editorial

Problema do setor público está mais no custo que no inchaço

Esplanada dos Ministérios, em Brasília
Esplanada dos Ministérios, em Brasília. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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“A estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem”, diz o adágio. Nesta ou em outras variações, a ideia é a mesma: um número pode ser usado para defender praticamente qualquer coisa que se pretenda, um pouco como as palavras para Humpty Dumpty, o personagem de Alice através do espelho. O petismo gastador achou um novo número para explorar, cortesia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): os servidores públicos são 12,45% do total de trabalhadores brasileiros, porcentual bastante inferior à média da OCDE (23,48%) e ao de nações desenvolvidas como Dinamarca (30,22%), Suécia (29,28%) e Canadá (21,64%), ou mesmo de países sul-americanos com melhor qualidade de vida que o Brasil, como Uruguai (16,92%) e Chile (13,10%). A conclusão petista? O Estado brasileiro não está inchado; o que o país precisa é de mais servidores públicos, e o governo Lula já abriu o cofre, anunciando concursos que devem acrescentar à folha federal mais 16 mil servidores.

A porcentagem geral, no entanto, não basta. Há uma série de outras perguntas e cruzamentos a fazer. Quantos desses servidores estão na “linha de frente” da oferta de serviços essenciais ao cidadão, e quantos estão em funções burocráticas? Quantos realizam tarefas que cabem apenas ao poder público (por exemplo, a Justiça ou instituições como a Receita Federal), e quantos estão em áreas nas quais a iniciativa privada já deveria estar atuando no lugar do Estado? Que órgãos da administração pública estão com real falta de pessoal, e quantos podem ser reduzidos graças à evolução tecnológica e à digitalização? Como esses servidores estão geograficamente distribuídos? Algumas respostas já são evidentes mesmo para quem não é estudioso do setor público, como a dificuldade de reter profissionais da saúde em locais afastados dos grandes centros, mas outros dados não costumam ver a luz do dia com tanta frequência. Um deles é essencial para o debate sobre o tamanho do setor público no Brasil.

Proporção de servidores entre o total de trabalhadores no Brasil pode ser menor que a de vários outros países, mas o funcionalismo brasileiro custa bem mais como proporção do PIB

A Confederação Nacional da Indústria publicou, em 2020, um estudo chamado “O peso do funcionalismo público no Brasil em comparação com outros países”, usando dados do Fundo Monetário Internacional. O funcionalismo brasileiro custou o equivalente a 13,4% do PIB em 2018, mais que a média da OCDE (9,9%) e superando também países com maior proporção de servidores na força de trabalho, como Suécia (12,7%) e Chile (6,9%). Mesmo na Dinamarca, cujo setor público é 2,5 vezes maior que o brasileiro em termos proporcionais, o funcionalismo custava 15,3% do PIB, apenas um pouco mais que o Brasil. Em outras palavras, a folha de pagamento do Estado brasileiro, em seus três níveis, cobra muito mais para entregar muito menos que as nações desenvolvidas.

A distorção é reconhecida pelo próprio Ipea, que em estudo publicado em 2013 constatou que o Estado brasileiro se tornava fonte de desigualdade ao conceder a certas carreiras remunerações muito maiores que aquelas do setor privado. O fenômeno, por certo, não é homogêneo: o Judiciário, por exemplo, paga muito melhor que o Executivo e o Legislativo; além disso, há servidores que, em acréscimo aos já citados salários muito superiores aos da iniciativa privada, ainda gozam de auxílios, penduricalhos e outras regalias, enquanto inúmeras outras carreiras do funcionalismo são mal pagas. É inegável, no entanto, que essas distorções e a enorme discrepância entre custo e benefício são motivo mais que suficiente para uma reforma administrativa abrangente – e não faltaram especialistas para os quais a reforma administrativa deveria inclusive vir antes da reforma tributária, argumentando que o Estado brasileiro deveria primeiro definir quanto vai custar para só depois redesenhar sua estrutura tributária.

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Foco em resultados, avaliações de desempenho, meritocracia, remuneração justa para todas as carreiras, nos três poderes e nos três níveis da Federação, sem penduricalhos nem supersalários desproporcionais em relação ao setor privado, são itens que deveriam estar na ordem do dia. A reforma administrativa proposta pelo governo de Jair Bolsonaro não chegava a contemplar todas as mudanças necessárias, mas era um início; o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a dizer que ela será o “próximo movimento” depois da reforma tributária e do arcabouço fiscal. O governo, no entanto, não pensa assim e trabalhará para barrar o texto, com a promessa de enviar sua própria ideia de reforma administrativa mais adiante, que certamente será mais tímida e tem tudo para manter ao menos algumas das atuais distorções.

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