
A Argentina é um caso bastante raro na história mundial em termos de ascensão, estabilidade, decadência e surpreendente retomada do crescimento econômico e recuperação do desenvolvimento social. Como regra geral na história das nações antes do início do século 20, a Argentina também era um país pobre. Porém, contando com um extenso território, terras férteis, boa localização geográfica e tendo uma onda de imigrantes com bom nível educacional, a Argentina adentrou o século 20 como um dos países mais ricos do mundo e, seguramente, o mais adiantado entre as nações latino-americanas.
Terminada a Segunda Guerra Mundial em 1945, a Argentina era um país desenvolvido, com nível educacional superior à média do continente americano e ostentando a condição de ser o primeiro país latino-americano a ter eliminado o analfabetismo. Em termos de renda per capita, houve períodos em que a Argentina apresentava níveis superiores aos Estados Unidos e, ao lado de Canadá e Austrália, despontava entre as nações cujo futuro brilhante era dado como certo. O mundo não conhecia exemplo de nação que começara como pobre, atingisse o desenvolvimento e tivesse voltado à pobreza. Caberia a Argentina e à Tchecoslováquia demonstrarem ao mundo que ser pobre, tornar-se rico e voltar a ser pobre era uma trajetória possível, desde que o país tomasse as decisões erradas e tivesse maus governos por períodos longos.
O ponto de partida da Argentina para iniciar sua longa estrada de empobrecimento começou em 1946, quando o militar Juan Domingo Perón tornou-se presidente do país; ele governou até 1955, passou um tempo fora e retornou como presidente em 1973, falecendo em 1974; foi substituído por sua mulher, a então vice-presidente Isabel Martínez de Perón, que ficou no cargo até 1976, quando se iniciou a ditadura militar. Resumidamente, o peronismo tornou-se a ideologia vigente na Argentina desde 1946 e, com breves interrupções quando governos com tendências liberais assumiram o poder, o peronismo esquerdista governou o país até muito recentemente, quando, em 2023, o libertário Javier Milei foi eleito presidente.
Ser pobre, tornar-se rico e voltar a ser pobre é uma trajetória possível, desde que o país tome as decisões erradas e tenha maus governos por períodos longos
Com a receita da ideologia peronista, de inclinação política esquerdista e forte viés socialista na economia, a Argentina adotou políticas heterodoxas em economia, que incluíam estatização de empresas, inchaço da máquina pública, intervenção e regulação sobre a economia privada, protecionismo comercial, agressão ao capital externo, controle cambial, limitação à posse de moedas estrangeiras, calotes de dívidas públicas, confiscos de poupanças privadas e um elenco de medidas estatizantes e antiliberais que, uma a uma, provaram ser um desastre.
Os governos argentinos, mesmo alguns que não eram propriamente peronistas radicais, foram marcados por duas características recorrentes: internamente, foram populistas, estatizantes, hostis ao capitalismo privado, descuidados com o equilíbrio fiscal, criadores de déficits e endividamento público; externamente, foram xenófobos, fechados para o investimento estrangeiro, amantes de calotes de dívidas externas e isolacionistas em termos de economia internacional. Mesmo políticos tidos como liberais, como Maurício Macri (2015-2019) fizeram governos que negaram, ao menos em parte, as políticas liberais.
Quando Macri substituiu Cristina Kirchner, no fim de 2015, a Argentina apresentava déficit orçamentário de 5% do PIB; o país não podia tomar empréstimos no mercado internacional em função da moratória decretada no início dos anos 2000 e repetida em 2014; a carga tributária era a mais alta entre 138 países analisados pelo Fórum Econômico Mundial; a produção nacional e o padrão de vida médio estavam em queda, enquanto a inflação e o desemprego subiam. Nessa mesma época, o gasto público havia chegado à absurda taxa de 47,9% do PIB, e o governo Kirchner mandou o Banco Central emitir moeda e repassar ao Tesouro Nacional; a consequência foi a perda do controle sobre o volume de moeda circulante e a explosão da inflação, que chegou a 30% em 2015, como meio de absorver a expansão monetária.
O plano de Macri, no entanto, rejeitou o ajuste cirúrgico e rápido para privilegiar ajustes graduais, o que acabou não dando resultado positivo. No início de seu governo, Macri tomou algumas medidas boas, tentando se reaproximar do mercado internacional e começando a liberar parcialmente a compra de moeda estrangeira pelos argentinos. Mas não tocou nos maiores problemas do país: não cortou gastos públicos, não combateu o déficit fiscal, não privatizou estatais, aumentou as aposentadorias, manteve estatais deficitárias nas mãos do governo e não alterou o quadro de pessoal composto por 4 milhões de servidores – com o divulgado número de 280 mil funcionários-fantasmas –, chegando a conceder aumentos para tentar agradar os sindicatos. Ou seja, Macri vestiu o figurino liberal durante a campanha eleitoral, mas terminou o governo implantando medidas antiliberais bem ao gosto da esquerda latino-americana.
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O peronismo de esquerda voltou ao poder com Alberto Fernández (2019-2023); seu viés esquerdista, populista e ineficiente na condução da economia fez com que a Argentina chegasse ao fim de 2023 no último degrau de seu retorno à condição de país subdesenvolvido, com elevada miséria, muita pobreza, desemprego elevado e crise cambial.
Foi nesse cenário de pobreza e caos que Milei assumiu a presidência com três estratégias gerais: 1. adotar a liberdade como princípio político e econômico, e deixar claro que o maior indutor do desenvolvimento econômico é o setor privado, o empreendedor, a empresa e a livre iniciativa; 2. adotar a liberdade política e econômica em todas suas dimensões, reduzir drasticamente o tamanho do Estado e cortar radicalmente o gasto público; e 3. retomar as relações com os países livres, estabelecer a liberdade cambial e se aproximar dos Estados Unidos.
Milei era o candidato improvável; tinha o discurso mais liberal que a Argentina já houvera visto e uma disposição férrea para cumprir um amplo programa liberal na política e na economia. O ponto central da política era acabar com o déficit fiscal, reduzir o tamanho do governo e reduzir impostos. Milei usou a motosserra durante sua campanha como símbolo de corte de gastos e, de fato, no primeiro semestre de 2024 ele reduziu os gastos públicos em 35%, ou o equivalente a quase 6% do PIB, medida nunca vista na história moderna da Argentina. Milei classificou o corte como “o maior ajuste na história da humanidade”, destinado a reverter uma prática que assolou o país por 113 dos últimos 123 anos e respondia pela inflação crônica. Embora o país tenha experimentado uma onda de greves de trabalhadores, estimulados por políticos de esquerda contrários às medidas de austeridade, o governo manteve o superávit fiscal, que tem sido um pilar da queda da inflação.
Milei era o candidato improvável; tinha o discurso mais liberal que a Argentina já houvera visto e uma disposição férrea para cumprir um amplo programa liberal na política e na economia
Uma medida inédita na Argentina foi eliminar o déficit das reservas do Banco Central, cujo efeito é a melhoria da confiança internacional e redução do risco-país como indicador para classificar o risco da dívida pública. O risco-país está em seu ponto mais baixo em cinco anos; associado à previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial de crescimento na faixa de 5% em 2025, isso resulta no melhor desempenho entre as nações latino-americanas. Esse crescimento é um alento, tendo em conta que as medidas de austeridade exigiram sacrifício inicial, que acabaram por provocar aumento da pobreza e redução anual do produto total em 3,4%.
Milei decidiu pelo choque radical, e não gradual, principalmente pelo mau exemplo de Macri, que, tendo herdado uma economia devastada, tentou solução suave que se mostrou um erro, diante da gravidade do déficit nas contas públicas. O FMI já havia alertado que o tratamento gradual contra o desequilíbrio das contas era um equívoco cujas consequências seriam amargas; a previsão se cumpriu, com inflação alta, insuficiência de dólares para manter as importações, crise cambial e explosão da taxa de juros.
Milei implantou medidas de cunho liberal, conseguiu aprová-las no Legislativo após um início de mandato turbulento em sua relação com o Congresso, e tem se mantido firme na execução das medidas aprovadas, entre as quais estão a liberalização do mercado de trabalho e a desregulamentação da atividade econômica. Milei declarou sua preocupação com a pobreza e está começando a colher frutos também neste campo, tendo prometido que, após o sacrifício inicial, a pobreza (que chegou a atingir 53% da população) cairia. O presidente defende que a principal medida para a redução da pobreza é a queda da inflação, que chegou a um pico de 211% em 2023, mas deve terminar 2025 abaixo de 30%.
A Argentina está longe de voltar a ser uma economia estável, saudável, com baixo índice de pobreza, alta taxa de crescimento econômico e na rota de prosperidade constante. Mas, considerando que Javier Milei ainda não chegou a dois anos de mandato, as mudanças são impressionantes. Neste ritmo, é possível ter esperanças de que a Argentina consiga eliminar a miséria e reduzir a pobreza, transformando-se em um caso único: um país que passou 70 anos decaindo desde sua condição de país desenvolvido, caiu na pobreza e voltou a prosperar até se aproximar novamente do grupo de países desenvolvidos ao qual já pertenceu.



