Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Editorial

Um arcabouço zumbi

O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad: déficit primário passou de R$ 100 bilhões em nove meses.
O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad: déficit primário passou de R$ 100 bilhões em nove meses. (Foto: Sebastião Moreira/EFE)

Ouça este conteúdo

O rombo das contas públicas brasileiras ganhou mais um dígito em setembro. Na quinta-feira, 30 de outubro, o Tesouro Nacional divulgou relatório informando que o déficit primário (a diferença entre despesa e receita, excluídos os pagamentos de juros da dívida) acumulado nos primeiros nove meses do ano foi de R$ 100,4 bilhões.

O número é ligeiramente menor que o do ano passado – rombo de R$ 103,6 bilhões –, mas, neste caso, apontar para essa redução está muito longe de ver o “copo meio cheio”; quando muito, é apenas enxergar um restinho de água no fundo do copo, até porque o próprio governo havia estabelecido como meta fiscal para este ano um déficit zero.

O arcabouço já é um morto-vivo, que segue vigorando no papel, enquanto na prática foi abolido, tamanha a facilidade em se excluir despesas da conta oficial. Trata-se de regra que nasceu frouxa e que mesmo assim o governo Lula foi incapaz de cumprir

Dias atrás, no fim de outubro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, insistiu que o Brasil está “restaurando a credibilidade fiscal com responsabilidade e transparência”. A frase seria digna de uma mistura entre o proverbial extraterrestre que desembarcasse ontem no Brasil e a Velhinha de Taubaté, a personagem de Luís Fernando Verissimo que sempre acreditava no governo. O fato de essas palavras terem vindo de um dos responsáveis pela atual política econômica, alguém que conhece os números e (supostamente) sabe as causas e as consequências desse rombo, portanto, só torna tudo ainda mais surreal.

Haddad tem insistido que o governo não mudará a meta fiscal, que é de déficit zero em 2025 e superávit primário de 0,25% do PIB em 2026, em ambos os casos com uma margem de tolerância de 0,25 ponto porcentual do PIB. Mas, a essa altura, isso é o que menos importa. O governo federal, com a cumplicidade do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, já criou tantas exceções à regra do arcabouço fiscal que o cumprimento ou não da meta tornou-se mera formalidade, que o governo finge perseguir e o mercado finge (até certo ponto) aceitar. Os gastos que não são considerados para efeito de cálculo da meta fiscal são tantos que, desde o início do terceiro mandato de Lula até agora, já somam R$ 337 bilhões.

VEJA TAMBÉM:

E o número que realmente importa é este. Ainda que o governo consiga fechar o ano com um déficit primário “oficial” de R$ 31 bilhões, no limite mínimo da margem de tolerância, o rombo real será muito maior. É ele que joga para cima uma dívida pública que já é muito maior que a média de países emergentes como o Brasil. É ele que gera inflação e que leva o governo a buscar cada vez mais formas de tirar dinheiro de indivíduos e empresas para elevar sua arrecadação. É ele que os diretores do Banco Central devem levar em consideração quando decidem a taxa Selic, em reunião que terminará nesta quarta-feira e para a qual o mercado espera a manutenção dos atuais 15%.

João Mário de França, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), definiu o arcabouço fiscal como “um paciente na UTI, mantido vivo por ‘aparelhos’ até pelo menos próximo às eleições”, comentando o sério dano à credibilidade do governo caso a regra fiscal fosse abandonada antes do fim de 2026. Mas o arcabouço já é um morto-vivo, que segue vigorando no papel, enquanto na prática foi abolido, tamanha a facilidade em se excluir despesas da conta oficial. Trata-se de regra que nasceu frouxa e que mesmo assim o governo Lula foi incapaz de cumprir – a ponto de já ter alterado as metas fiscais de 2025 e 2026, que eram de superávit primário de 0,5% e 1% do PIB respectivamente –, mostrando que a gastança está mesmo no DNA do petismo.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.