“Chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos estrutural no Brasil (...) Não é possível mais apenas pela ótica da receita resolver o problema fiscal do Brasil”, afirmou na terça-feira a ministra do Planejamento, Simone Tebet, após uma reunião com seu colega da Fazenda, Fernando Haddad. O assunto era a deprimente situação fiscal do país, que bate sucessivos recordes de rombos e, se conseguir cumprir a meta de resultado primário deste ano, só o fará graças a inúmeras gambiarras que deixam fora dos cálculos do arcabouço fiscal uma coleção considerável de despesas, transformando o resultado “oficial” em uma ilusão que mascara o resultado real das contas públicas.
Eis aí uma constatação que chega com pelo menos dois anos de atraso. E afirmamos “pelo menos” porque a necessidade de uma “revisão de gastos estrutural” no Brasil é demanda de longuíssima data, existindo muito antes da eleição de Lula para um terceiro mandato presidencial, mas esbarrando sempre em uma série de interesses corporativistas e da falta de vontade governamental. Este segundo obstáculo, aliás, se verificou até mesmo na gestão anterior, com Jair Bolsonaro e Paulo Guedes hesitando em enviar ao Congresso um plano de reforma administrativa; quando finalmente o projeto foi apresentado ao Legislativo, jamais foi considerado prioridade nem do governo, nem de sua base aliada na Câmara e no Senado. Mesmo a reforma da Previdência, um feito notável da gestão anterior, ficou aquém do que poderia ter sido porque o governo cedeu a pressões de alguns setores do funcionalismo.
A fala de Simone Tebet não está apenas atrasada, mas também equivocada em um ponto: aquele no qual a ministra deixa subentendido que aumentar a receita sem tocar na despesa chegou a ser uma ideia factível, e só agora deixou de sê-lo. Na verdade, isso jamais foi possível. Fechar as contas de um governo gastador arrancando cada vez mais dinheiro da sociedade por meio de impostos nunca foi uma alternativa viável, e várias mentes sensatas apontaram desde o início do governo Lula 3 que o plano de Haddad era destinado ao fracasso. Curiosamente, Tebet afirmou que “o Brasil já fez o dever de casa, o governo, o Congresso, do lado da receita”, batendo de frente com Haddad, que até hoje bota no Legislativo a culpa pelo desequilíbrio fiscal, já que deputados e senadores não aprovaram todas as medidas desejadas pelo governo para tributar tudo o que visse pela frente.
A ministra do Planejamento pode falar à vontade em controle de gastos; o fato é que todas essas declarações de nada adiantarão se não vierem acompanhadas de medidas efetivas de redução de despesas. E por “medidas efetivas” não falamos dos pentes-finos em benefícios sociais que Haddad já chegou a vender como se fossem um ajuste fiscal digno do nome; nem dos contingenciamentos e bloqueios que não são suficientes nem mesmo para o cumprimento das metas medíocres do arcabouço fiscal; nem do combate necessário a privilégios e supersalários imorais, quando não ilegais. O problema é que o governo não tem muito mais a oferecer além disso. A reforma administrativa é anátema para Lula, que também já deixou muito claro seu “não” a outras medidas que revertam políticas petistas que elevam substancialmente a despesa pública, como a valorização do salário mínimo acima da inflação. Uma mudança no seguro-desemprego parece estar na mesa, mas soa improvável diante da repercussão negativa por parte do sindicalismo, que já manifestou seu descontentamento.
É perfeitamente previsível que um governo gastador como o petista não tenha nada de substancial a propor ao país em termos de controle da despesa pública ou de reformas estruturais que contenham o tamanho do Estado e seu avanço sobre a economia. Quando mesmo as medidas de caráter meramente paliativo são recebidas com muitas reservas por quem realmente decide, não é possível dizer que a ficha caiu para o governo. Salvo por algum surto bastante imprevisto de responsabilidade fiscal da parte de Lula em um futuro próximo, as declarações de Simone Tebet, somadas a algumas falas anteriores de Haddad, têm tudo para se tornar apenas um lamento estéril enquanto o país continua sua marcha firme rumo ao abismo fiscal.
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