Nada de solução intermediária: por oito votos a dois, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu manter a liminar da ministra Rosa Weber e suspender completamente a execução das “emendas de relator” no Orçamento de 2021 – o que, na prática, as torna sem efeito também no Orçamento de 2022 –, além de exigir que o Congresso e o governo federal publiquem, em até 30 dias, todos os pedidos de parlamentares aos ministérios para liberação de recursos vinculados a essas emendas. Só não é possível ainda afirmar que o Supremo enterrou de vez as emendas de relator porque o julgamento realizado por plenário virtual nos dias 9 e 10 de novembro se limitou a decidir pela manutenção da liminar; o mérito do assunto será julgado em outra ocasião, ainda sem data definida.
A Constituição Federal não prevê – mas também não proíbe – o mecanismo das emendas de relator, que ganhou relevância apenas nos últimos anos, pois sempre teve valores relativamente baixos (nunca acima de R$ 5 bilhões) até 2019, quando foram infladas tendo em vista o Orçamento de 2020; na ocasião, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, deputado Cacá Leão (PP-BA), previu inacreditáveis R$ 30 bilhões em emendas de relator, que ainda por cima teriam caráter impositivo. Após muita queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso, o valor das emendas foi reduzido e elas deixaram de ter execução obrigatória. O apetite, no entanto, permaneceu: nos orçamentos de 2021 e 2022, as emendas de relator, ou RP9, sempre aparecem em valor maior que o das emendas individuais e de bancadas estaduais.
De tudo o que se sabe sobre as emendas de relator e sua execução, e apesar de seus vários inconvenientes, o único ponto que viola frontalmente a Constituição é sua falta de transparência
Os problemas das emendas de relator se tornaram evidentes a partir do momento em que o instrumento ganhou destaque. Um único parlamentar – no caso, o relator do Orçamento – ganha enorme poder sobre a destinação de uma quantia igualmente grande. Além disso, as emendas RP9 funcionam na mais completa informalidade, pois elas são nominalmente atribuídas ao relator, embora o “pai da criança” seja, evidentemente, outro parlamentar, que permanece oculto do público (mas não do relator, ou do governo), e os pedidos para a inclusão dessas emendas também costumam ser feitos por vias totalmente informais. Isso leva à quebra da isonomia entre parlamentares, pois, se as emendas individuais têm limites definidos pela lei e iguais para todos, as RP9 tornam alguns deputados e senadores “mais iguais que outros”. Por fim, mas não menos importante, a execução das emendas ressuscita o balcão de negócios em que se troca a liberação de verbas por votos em projetos de interesse do governo.
Com a intervenção do Supremo, alguns parlamentares começaram uma sessão de autocrítica. “Houve um excesso, um exagero”, disse à Gazeta do Povo o senador Marcelo Castro (MDB-PI) – que deve ter conhecimento de causa, já que foi presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) em 2019 e 2020, justamente no período da explosão das emendas de relator. E essa admissão nos traz à pergunta principal: os problemas das emendas de relator justificam a resposta que foi dada pelo Supremo?
E aqui temos de dar razão aos parlamentares que consideraram a decisão uma afronta às prerrogativas do Congresso Nacional. Goste-se ou não – e, como acabamos de afirmar, há muitas razões para não se gostar –, o mecanismo das emendas de relator foi instituído pelos representantes eleitos da população, que são os encarregados de votar o Orçamento; apesar de seus muitos inconvenientes, não é inconstitucional per se. De tudo o que se sabe sobre as emendas RP9 e sua execução, o único ponto que viola frontalmente a Constituição é sua falta de transparência, que atenta contra os princípios da administração pública elencados no caput do artigo 37 da Carta Magna. Este é o ponto que o Supremo deveria ter se limitado a atacar, como fez ao exigir que se dê publicidade aos pedidos de parlamentares relativos às emendas já liberadas. Mas, ao suspender completamente a execução das emendas de relator, a corte mais uma vez interferiu nas atribuições dos demais poderes, um erro que ainda pode ser sanado quando o plenário debater o mérito das ações propostas por partidos de oposição contra as emendas.
“Se há algum equívoco, somos nós que devemos corrigi-lo”, disse o relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), incluindo na afirmação uma condicional bastante generosa, pois é bastante evidente que há equívocos, e muitos. Marcelo Castro foi um pouco mais direto: “Está na hora de a gente dar um freio de arrumação e fazer uma coisa mais razoável, mais transparente e mais compartilhada”. O grande problema é que são poucos os parlamentares dispostos a “corrigir equívocos” e a colocar um “freio de arrumação” na farra das emendas. Mas nem isso justifica que o Supremo se atribua a tarefa de sanar disfuncionalidades que agridem o bom senso, mas não a Carta Magna. Essa é tarefa dos parlamentares – que, assim esperamos, poderão receber um empurrãozinho em 2022, dos eleitores preocupados com as consequências da irresponsabilidade orçamentária na economia real.
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