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Depois de transformar, sem justificativa plausível, o caso Banco Master numa verdadeira caixa-preta – elevando o processo ao segundo mais alto nível de sigilo do Judiciário, a ponto de nem sequer permitir o acesso a decisões no sistema do Supremo Tribunal Federal (STF) –, o ministro Dias Toffoli foi além. De ofício, isto é, sem qualquer solicitação prévia da Polícia Federal (PF) ou do Ministério Público, determinou a realização de uma acareação entre o dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Paulo Henrique Costa e o diretor de Fiscalização do Banco Central (BC), Ailton de Aquino Santos, em pleno recesso do Judiciário.
Acareações servem para esclarecer contradições entre depoimentos já prestados. No caso, porém, o inquérito que investiga um suposto esquema de emissão e negociação de títulos de crédito do Banco Master sem lastro, com prejuízos estimados em até R$ 12,2 bilhões, ainda está em fase inicial e não há relatos a serem confrontados. A medida, portanto, é manifestamente inoportuna. A própria Procuradoria-Geral da República (PGR) chamou atenção para o risco de interferência indevida na condução do inquérito e pediu o cancelamento do ato. Ainda assim, Toffoli manteve sua decisão.
O Judiciário deve ser exemplo de imparcialidade e autocontenção e não palco de escândalos que ganham novo capítulo a cada dia, como o envolvendo o Banco Master
Toffoli resolveu determinar a acareação no momento em que cresce o escrutínio público sobre o ministro Alexandre de Moraes, citado em reportagens relacionadas ao Banco Master. Na última semana, os jornais O Globo e o Estado de S. Paulo revelaram que Moraes teria conversado várias vezes com o presidente do BC, Gabriel Galípolo, sobre a tentativa de compra do Banco Master pelo BRB – operação que acabou vetada pelo BC. Segundo o Estado de S Paulo, em um único dia Moraes teria ligado seis vezes para Galípolo em busca de informações sobre o negócio.
Em três notas oficiais divulgadas após as reportagens, o ministro negou ter tratado do Banco Master com Galípolo. Moraes também disse não terem ocorrido ligações telefônicas, embora admita duas reuniões com o presidente do BC, em 14 de agosto e 30 de setembro, segundo ele, para tratar exclusivamente da aplicação da Lei Magnitsky contra ele e sua esposa. O ministro afirmou ainda que o escritório de sua mulher jamais atuou na operação de aquisição BRB–Master perante o Banco Central. A afirmação causa estranheza, pois o contrato firmado entre o Banco Master e Viviane Barci, esposa de Moraes, com pagamentos mensais ao escritório de R$ 3,6 milhões por três anos, previa explicitamente a defesa dos interesses da instituição e de Daniel Vorcaro perante o Banco Central, a Receita Federal e o Congresso Nacional.
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Os questionamentos sobre as relações de Moraes com o Master são graves. Como observou o ex-procurador Deltan Dallagnol, se for comprovado que Moraes realmente tentou influenciar ou pressionar uma decisão do BC no caso – o que o ministro nega, ressalte-se –, poder-se-ia enquadrar a conduta como advocacia administrativa, crime previsto no artigo 321 do Código Penal, que ocorre quando um servidor público patrocina interesses privados perante a administração. “É o escândalo mais grave de conduta irregular de ministro da história conhecida do Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
Seria ingênuo supor que o altíssimo contrato firmado pelo Banco Master se explicasse apenas pela reputação técnica do escritório da esposa de Moraes; é mais plausível que a aposta fosse replicar no Judiciário as conexões que Daniel Vorcaro já mantinha no Executivo e no Legislativo. Desde 2023, após decisão do STF que permitiu que magistrados julguem processos envolvendo clientes de escritórios de advocacia de seus cônjuges, companheiros ou parentes, esse tipo de aproximação tornou-se mais frequente, mas, por si só, não é irregular, embora moralmente bastante questionável, por minar a confiança na imparcialidade que se espera do Judiciário. O próprio Toffoli, um dia antes de aceitar a relatoria do caso Master, viajou de carona a Lima num jatinho de um empresário, tendo como companheiro de viagem o advogado de um dos investigados.
Não é a primeira vez que ministros das cortes superiores se veem envolvidos em situações que desafiam padrões mínimos de transparência, contenção institucional e respeito às fronteiras entre poderes. A sucessão de inquéritos controversos, decisões pouco fundamentadas e intervenções de cunho político minam a confiança pública e ampliam a percepção de que o sistema de freios e contrapesos deixou de funcionar como deveria.
Enquanto persistir a omissão daqueles que têm a responsabilidade constitucional de conter abusos – inclusive no Congresso, onde até hoje não avança a CPI do Abuso de Autoridade, travada pusilanimemente pelo presidente da Câmara, Hugo Motta –, o país continuará exposto a episódios que corroem a credibilidade das instituições. O Judiciário deve ser exemplo de imparcialidade e autocontenção e não palco de escândalos que ganham novo capítulo a cada dia, como o envolvendo o Banco Master.



