Em seu discurso de posse, na última segunda-feira (20), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que gostaria de ser conhecido como "pacificador" e "unificador" do mundo. E parece que o republicano está realmente empenhado em conquistar o reconhecimento mundial como agente responsável por colocar fim aos conflitos armados atualmente em curso, como o da invasão da Ucrânia pela Rússia, que no próximo mês completará três anos de duração.
Dificilmente o presidente americano conseguirá um acordo de paz que restabeleça a integridade dos territórios ucranianos, com a devolução de todas as áreas ocupadas pela Rússia – solução ideal, uma vez que a Ucrânia foi invadida injustamente pelas tropas de Vladimir Putin. Mas talvez Trump possa garantir o fim definitivo de um conflito que se prolonga mais do que deveria, já vitimou milhares de vidas, e que, se não for interrompido logo, poderá se arrastar indefinidamente. Se não a paz ideal, Trump pode conseguir ao menos a paz possível – e isso já seria um grande feito.
A perda dos territórios ucranianos para a Rússia não é uma solução ideal mas talvez seja a única viável neste momento. A Ucrânia, que com o apoio ocidental tem resistido bravamente, está disposta a fazer esse grande sacrifício em nome da paz, mas não pode ficar com receio permanente de novas agressões
Durante a campanha presidencial, Donald Trump havia prometido um fim rápido para a guerra na Ucrânia, mas sem especificar qual seria sua solução. Após ser eleito, mesmo antes de terminar o governo de Joe Biden, Trump começou a fazer contato com representantes da Rússia e da Ucrânia. Na última quarta-feira (22), em publicação em sua rede social, o presidente republicano enviou um recado direto a Putin: "Façam um acordo agora e PAREM com essa guerra ridícula! Vai apenas piorar. Se não chegarmos a um 'acordo' em breve, não terei outra escolha a não ser impor altos níveis de impostos, tarifas e sanções sobre qualquer coisa que a Rússia venda aos Estados Unidos", ameaçou.
Trump ainda escreveu que "amava o povo russo" e que sempre teve "um ótimo relacionamento com o presidente Putin", mas que era hora de "acabar com esta guerra, que nunca deveria ter começado", acrescentando que era possível resolver o conflito "da forma fácil ou difícil – e a forma fácil é sempre melhor" e que era a hora de "fazer um acordo. Nenhuma vida deve ser mais perdida".
O tema também foi abordado por Trump durante o Fórum Econômico Mundial em Davos. Participando por videoconferência do encontro na última quinta-feira (23), Trump garantiu que as negociações de paz estão em andamento e que a Ucrânia estaria "pronta para um acordo", faltando apenas a concordância de Putin. Perguntado sobre as perspectivas para o fim da guerra, o presidente americano respondeu: "Você vai ter que perguntar à Rússia. A Ucrânia está pronta para fazer um acordo. Esta é uma guerra que nunca deveria ter sido iniciada. Coisas ruins aconteceram, coisas ruins foram ditas, muita estupidez por toda parte. Agora você tem todas essas cidades bombardeadas, que parecem locais de demolição, com muitas pessoas mortas".
A Rússia, que antes só aceitava a China, aliada estratégica dos russos, como mediadora de um possível acordo de paz porque assim poderia ditar as regras, parece disposta agora a negociar com Trump. O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, disse na quarta-feira (23) que Moscou vê uma pequena "janela de oportunidade" para forjar acordos com o novo governo do presidente dos EUA, Donald Trump. Já o porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov, afirmou que Putin está pronto para o diálogo, "um diálogo em pé de igualdade e respeito mútuo". Nesta sexta-feira (24), foi a vez do próprio Putin dizer que pode se reunir com o novo presidente americano, Donald Trump, para discutir “todos os assuntos de interesse de Moscou e Washington”, incluindo a Ucrânia.
Do lado ucraniano, Volodymyr Zelensky também está aberto a negociações, mas busca, com razão, evidências de que um possível acordo de paz mediado pelos Estados Unidos não signifique a mera cessão territorial de parte da Ucrânia aos russos, sem qualquer contrapartida que garanta a segurança do país contra futuras agressões, seja de Putin ou de quem quer que seja. Também em Davos, na quarta-feira (22), o ucraniano destacou a importância do apoio militar europeu. Ele estimou a necessidade de "pelo menos 200 mil" soldados aliados para alcançar um acordo de paz eficaz na região e garantir a segurança da Ucrânia, além de pedir para que a Europa adote uma postura mais autônoma na defesa do continente.
É fato que a guerra na Ucrânia jamais deveria ter começado, como ressaltou Trump, e é preciso buscar o fim do conflito com urgência. No entanto, o presidente republicano não pode cair na tentação de obrigar a Ucrânia a acatar um acordo de paz injusto, que só beneficie a Rússia, sem garantir que a Ucrânia – que quase certamente terá de desistir de parte de seus territórios em nome de um eventual acordo de paz – receba alguma contrapartida, como a garantia de ajuda militar e tropas para manter sua segurança, evitando novos arroubos expansionistas de Putin, ou mesmo a entrada do país na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Os EUA parecem dispostos a aceitar a inclusão da Ucrânia no tratado, desde que os países europeus que integram a aliança aumentem seus gastos com defesa militar – atualmente, os países europeus do bloco gastam até 2% do PIB com defesa, mas Trump quer que esse porcentual aumente para 5%.
O convite para a entrada da Ucrânia na OTAN em troca dos territórios ocupados pela Rússia, aliás, foi proposto pelo próprio presidente ucraniano em dezembro do ano passado. Como nenhum líder quer ver seu país dividido nem tomado à força por um agressor estrangeiro, e o fato de o próprio Zelensky propor essa solução mostra o quão grave é a situação no país. A falta de uma resposta mais contundente e imediata dos países europeus, e mesmo dos Estados Unidos sob Joe Biden, contra o delírio expansionista de Vladimir Putin, levou a uma guerra que se arrasta há quase três anos, arruinou a Ucrânia e precisa ter fim.
Trump quer ser reconhecido por trazer paz ao mundo, e tem o poder e a disposição para tentar conquistar esse feito. Do lado russo, Putin sabe que Trump, que se diz amigo dos russos, seria um adversário perigoso, capaz de medidas bem mais efetivas do que as que Joe Biden tomou contra a Rússia. Já a Ucrânia conta com recursos prometidos pelos americanos, e, se Trump tentar bloquear de algum modo parte dos US$ 61 bilhões (cerca de R$ 364 bilhões) em financiamentos para o país aprovados pelo Congresso americano em 2024, isso significaria um grave golpe.
A perda dos territórios ucranianos para a Rússia não é uma solução ideal, como dissemos, mas talvez seja a única viável neste momento. A Ucrânia, que com o apoio ocidental tem resistido bravamente, está disposta a fazer esse grande sacrifício em nome da paz, mas não pode ficar com receio permanente de novas agressões. Donald Trump talvez seja o único capaz de trazer algum equilíbrio na balança de negociações e fazer com que a Ucrânia, que já perdeu tanto, ao menos garanta sua segurança futura – e a de toda a Europa.