A vexaminosa e grotesca declaração do presidente Lula, que em 18 de fevereiro comparou a ofensiva israelense na Faixa de Gaza ao Holocausto perpetrado pelo nazismo e que vitimou milhões de judeus, despertou reação quase unânime da comunidade judaica brasileira – com exceção de uma entidade cuja fidelidade ao ideal de esquerda parece superar o respeito pela memória daqueles que ela diz representar. De todas as notas de repúdio emitidas em resposta ao desvario lulista, é importante destacar uma, a dos Judeus Pela Democracia.
O coletivo apoiou Lula nas eleições de 2022, mas isso não impediu que a fala do presidente fosse classificada como “vergonha histórica sob todos os pontos de vista”. O trecho talvez mais significativo da nota seja este: “Apoiamos Lula contra [Jair] Bolsonaro justamente porque acreditamos que Lula, por seu histórico humanista, defenderia todas as minorias. Dentre essas minorias estão os judeus. Nos últimos meses figuras importantes do partido do presidente já haviam dado declarações antissemitas, como Gleisi [Hoffmann] e [José] Genoino. Esperávamos de Lula que silenciasse essas vozes, e não as reforçasse ao dizer que os judeus de hoje são os nazistas do passado”. Em outras palavras, o que os Judeus Pela Democracia estão dizendo, ao verem o presidente vilipendiando a história e a memória de milhões de judeus e seus familiares, é que não foi para isso que haviam votado em Lula.
Nunca é tarde para que muitos brasileiros finalmente percebam que Lula e o petismo os fizeram de inocentes úteis para seu projeto de poder
Este é um pensamento que deve estar rondando a cabeça de muitos brasileiros que também apertaram o 13 na urna eletrônica e veem o presidente brasileiro fazendo pouco caso da responsabilidade fiscal e exaltando o endividamento; aparelhando tudo o que encontra pela frente, do Supremo Tribunal Federal às empresas estatais e até companhias privadas; minando o combate à corrupção; abraçando com prazer ditadores latino-americanos e de outros continentes; buscando minar a liberdade de expressão dos brasileiros; ou ressuscitando políticas industriais equivocadas e protecionistas – isso para ficar em uma lista breve. Para esses brasileiros, as notícias não são nada boas: não foi para isso que eles votaram em Lula, mas foi exatamente para isso que Lula pediu seus votos.
E pediu sem ter de enganar ninguém quanto a suas intenções. Durante a campanha, Lula fez a defesa explícita de ditadores amigos, usou a falsa equivalência moral para igualar Rússia e Ucrânia, atacou o teto de gastos em todas as oportunidades, afirmou sua intenção de rever uma série de medidas como a reforma trabalhista e até a privatização da Eletrobras, e manifestou sua intenção de reescrever a história da Operação Lava Jato. Seus advogados de campanha estiveram entre os maiores defensores da censura à divulgação de informações verdadeiras, mas desabonadoras, sobre o petista.
- Lula destrói a credibilidade brasileira no cenário internacional (editorial de 19 de fevereiro de 2024)
- O “anão diplomático” consegue se apequenar ainda mais (editorial de 14 de janeiro de 2024)
- Precisaremos de mais que apenas “boa sorte” (editorial de 12 de novembro de 2022)
- A “democracia relativa” de Lula é ditadura pura e simples (editorial de 29 de junho de 2023)
Mesmo quando não houve declarações em período eleitoral, bastava observar o comportamento do partido no Congresso – por exemplo, tentando derrubar ou ao menos desfigurar a Lei das Estatais – ou o histórico do petismo. No caso específico do conflito palestino-israelense, o PT jamais tomou o lado dos judeus em qualquer episódio, estando ou não no poder. Nada, absolutamente nada que Lula e o PT venham fazendo desde 1.º de janeiro de 2023 é uma surpresa; estava tudo devidamente anunciado antes de as urnas se abrirem para receber os votos dos brasileiros.
Não temos a pretensão de analisar as várias razões que possam ter levado eleitores a votar em Lula mesmo conhecendo e repudiando as plataformas defendidas e prometidas pelo petista e por seu partido, historicamente e durante a campanha de 2022. O importante, neste momento, é saudar o fato de que, lentamente, os brasileiros estão abrindo os olhos para o que Lula realmente representa. Se os Judeus Pela Democracia seguirão apoiando o presidente apesar da “vergonha histórica” é algo que só o futuro dirá. Mas, ainda que tenhamos de conviver com essa e outras vergonhas e decepções pelos próximos três anos, nunca é tarde para que muitos brasileiros finalmente percebam que Lula e o petismo os fizeram de inocentes úteis para seu projeto de poder. Não há demérito algum em uma correção de rumos, especialmente uma que deixe para trás figuras, práticas e ideologias nefastas, antidemocráticas, irresponsáveis e preconceituosas.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião