Nunca na última década os cidadãos brasileiros e as empresas entregaram tanto ao Estado como em 2021, tanto em termos nominais quanto em proporcionais. A arrecadação total de R$ 2,942 trilhões no ano passado correspondeu a 33,9% do PIB nacional – a maior carga verificada no passado recente havia sido de 33,05%, em 2011. Na comparação internacional, o Brasil tributa bem mais que a média da América Latina e ligeiramente menos que os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – em 2020, a carga brasileira foi de 31,77%, contra 33,73% da OCDE e 22,95% do continente latino-americano; no entanto, os serviços oferecidos ainda estão longe do nível das nações desenvolvidas, já que parte considerável da tributação brasileira é perdida no desperdício, no inchaço estatal, nos privilégios para os membros e a elite do funcionalismo dos três poderes, e na corrupção.
Além da já bastante conhecida disparidade entre o que é tirado do brasileiro por meio dos impostos e o que lhe é devolvido na forma de serviços e investimentos, relatório do Tesouro Nacional mostra como a estrutura da tributação nacional pune especialmente os mais pobres. De toda a arrecadação nacional em 2021, 43,5% do valor – ou R$ 1,28 trilhão – veio de impostos sobre a produção e o consumo, incluindo PIS, Cofins, IPI, IOF, Cide, DPVAT, ICMS e ISS. São tributos pagos de forma idêntica independentemente da renda. Para usar um exemplo, ao se comprar um item qualquer em um mercado, como um pacote de arroz, o imposto pago é o mesmo, não importa a que estrato social o comprador pertença; e tais valores, acumulados ao longo de um mês de compras, fazem muito mais falta ao pobre que ao rico. Além disso, outros tipos de tributos, como aqueles cobrados sobre a folha de pagamento, também acabam repassados ao valor final de produtos e serviços, com o mesmo efeito prejudicial sobre os mais pobres.
O sistema tributário brasileiro, ao não se guiar pela ideia de justiça tributária, não é apenas confuso, mas também injusto, pois onera especialmente os mais pobres ao tributar demais os bens e serviços
Em comparação, são poucas as nações da OCDE em que os impostos sobre produção e consumo respondem por mais de 40% da arrecadação total: Chile (54,1%), Letônia (45%), Hungria (44,6%), Colômbia (42,9%) e Estônia (42,4%), segundo dados de 2020. A média da entidade é de 32,6%, e há países com tributação muito baixa sobre bens e serviços, como Canadá (22,8%), Suíça (19,8%), Japão (19,7%) e Estados Unidos (17,5%). Muitas dessas nações tributam mais o patrimônio e a renda – 28,4% da arrecadação no Brasil corresponde a Imposto de Renda (de pessoa física ou jurídica), CSLL, ITR, IPTU, ITBI, ITCD e IPVA, enquanto a arrecadação de impostos semelhantes responde por mais de 40% da tributação total na Austrália, no Canadá, na Dinamarca, na Islândia, na Irlanda, no México, na Nova Zelândia, na Noruega, na Suíça e nos Estados Unidos.
No entanto, este, que é o principal problema da tributação brasileira, não é enfrentado por nenhuma das propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional ou foram elaboradas pela equipe econômica. A principal tendência, até o momento, é de uma simplificação de vários dos tributos que incidem sobre bens e serviços. Dado o manicômio tributário brasileiro, campeão mundial em tempo tomado das empresas para o cumprimento das obrigações com o fisco, a simplificação é extremamente necessária, mas não suficiente – além disso, uma das poucas ideias que realmente alteraria a estrutura tributária nacional pode acabar acentuando a tributação total sobre produção e consumo: a necessária desoneração da folha de pagamentos seria compensada por um novo tributo ao estilo da antiga CPMF.
O conceito de “justiça tributária” pode ser resumido na afirmação “quem tem mais paga mais”. O sistema tributário brasileiro, portanto, ao não se guiar por essa regra simples, não é apenas confuso, mas também injusto. Uma reforma tributária abrangente não apenas simplificaria todo o emaranhado de impostos sobre bens e serviços, mas também promoveria uma transição gradual que desonerasse aos poucos a produção e o consumo, eliminasse os subsídios ineficientes e promovesse a justiça tributária. Tudo isso, claro, em conjunto com uma reforma administrativa que reduzisse o inchaço estatal, exigindo menos da sociedade em forma de carga tributária, deixando mais recursos nas mãos dos cidadãos e das empresas. Em época pré-eleitoral, eis um programa que o eleitor poderia muito bem cobrar de seus candidatos.
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