Em uma reunião preparatória para o encontro de líderes do G20 em novembro, no Rio de Janeiro, o ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, divulgou um número que dá uma ideia do enorme desafio que o país tem para proporcionar a todos os seus cidadãos um direito básico: água potável e rede de esgoto. Segundo o ministro, são necessários US$ 100 bilhões, ou cerca de R$ 560 bilhões, para atingir o objetivo de universalização dos dois serviços até 2033, como determina o Novo Marco do Saneamento. Ainda segundo Barbalho Filho, este valor está dividido em US$ 54 bilhões para o fornecimento de água e US$ 46 bilhões para as redes de esgoto.
Os valores são vultosos porque os números brasileiros atuais são absolutamente vergonhosos: de acordo com o ministro, o país ainda tem 30 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, ou 14% da população; e 90 milhões sem coleta de esgoto, ou quase 42% dos brasileiros – consultorias especializadas falam em números ainda maiores: 35 milhões e 100 milhões, respectivamente. Essa deficiência tem um custo altíssimo em vários aspectos, como o ambiental, mas especialmente em termos de saúde pública, com brasileiros adoecendo e morrendo de males diretamente ligados à precariedade das condições sanitárias. E, no ritmo atual de investimentos, a universalização será atingida não em 2033, mas num muito distante 2089, segundo projeção da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) e da KPMG – que, aliás, estimam a necessidade de investimentos em R$ 900 bilhões, 60% a mais que o número divulgado por Barbalho Filho.
O Estado pode e deve estabelecer metas e atuar como regulador, mas não tem capacidade financeira para os investimentos que levarão água tratada e coleta de esgoto a todos os brasileiros
A grande questão é: onde encontrar esse dinheiro? A experiência demonstra que o modelo anterior, baseado exclusivamente na oferta dos serviços de água e saneamento por estatais, não funcionou. É verdade que há muita desigualdade entre estados: alguns deles, especialmente no Sul e no Sudeste, têm taxas bem altas de acesso a água tratada e coleta de esgoto, tendo esses serviços oferecidos por estatais; mas outros estão abaixo dos 30% de cobertura no caso do esgoto. E, ainda assim, o padrão de desigualdade se repete mesmo dentro das unidades da Federação com bons índices, seja porque existem bolsões de miséria em grandes metrópoles, seja porque há cidades com oferta muito deficiente. O estado de São Paulo, por exemplo, tem 93,3% de sua população com coleta de esgoto, mas, segundo o Instituto Água e Saneamento, nada menos que 52 dos 645 municípios (ou 8%) tinham cobertura inferior a 50%.
A resposta, portanto, é muito simples: sem a iniciativa privada, a universalização jamais será atingida em 2033, ou mesmo no médio prazo. Mesmo onde a cobertura já é satisfatória, é preciso seguir investindo para manter e melhorar as redes existentes. Foi para facilitar a entrada de recursos privados que o Congresso aprovou, anos atrás, o Novo Marco do Saneamento, e os resultados já começaram a vir, embora não no ritmo necessário para colocar o país no rumo da universalização. Acelerar é preciso, mas para isso será necessário que o petismo estatizante continue perdendo as brigas que tem comprado, em seu empenho por manter brasileiros vivendo em esgotos a céu aberto.
O PT foi contrário ao Novo Marco do Saneamento, mas felizmente foi minoria no Congresso. Quando a lei foi aprovada, o partido e outras legendas aliadas acionaram o STF para derrubar ao menos alguns trechos da legislação, mas os ministros decidiram manter o que o Legislativo tinha aprovado. Uma vez no poder, Lula tentou reverter avanços da lei por meio de decreto, mas foi forçado a recuar e teve de editar novos decretos – que ainda são ruins. E cada privatização de empresa pública de água e saneamento é questionada na Justiça, como ocorreu recentemente com a paulista Sabesp. O pedido do PT, no entanto, foi negado pelo STF e o governo paulista concluiu o processo de desestatização na terça-feira, levantando R$ 14,7 bilhões.
O Estado pode e deve estabelecer metas e atuar como regulador, mas não tem capacidade financeira para os investimentos necessários à universalização. Que abra espaço à presença cada vez maior da iniciativa privada, elaborando bons contratos para os processos de desestatização ou, no mínimo, para parcerias público-privadas. Que haja tantos brasileiros ainda sem água tratada nas torneiras e sem coleta de esgoto é um acinte; expandir a cobertura deveria ser uma das grandes prioridades de qualquer governo que não esteja cegado pelo estatismo jurássico.
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