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Editorial

O vaivém de Donald Trump sobre a Ucrânia

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Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, se encontram na Casa Branca, em 17 de outubro. (Foto: Shawn Thew/EFE/EPA)

A possibilidade de que os Estados Unidos fornecessem mísseis Tomahawk para a Ucrânia, levantada dias atrás, parecia um lampejo de esperança para que a Rússia finalmente fosse convencida a sentar-se à mesa de negociações, mais de três anos e meio após sua agressão unilateral à soberania ucraniana. Se os ucranianos superassem as próprias dificuldades logísticas (como a ausência de navios ou submarinos capazes de lançar as versões mais modernas do míssil), teriam em mãos uma arma capaz de ameaçar a Rússia e mudar o curso da guerra. No entanto, o que se viu em poucos dias foi uma montanha-russa, com sinais oscilantes da parte do presidente norte-americano, Donald Trump.

Em 16 de outubro, Trump conversou por telefone com o ditador russo, Vladimir Putin, e anunciou um novo encontro entre ambos, desta vez na Hungria. No dia seguinte, quando o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, esteve na Casa Branca, os Tomahawks já estavam fora da discussão. “Preferiríamos que eles [ucranianos] não precisassem de Tomahawks. Preferiríamos que a guerra acabasse”, afirmou o norte-americano, acrescentando: “espero que consigamos terminar a guerra sem pensar nos Tomahawks. Acho que estamos bem perto disso”. Depois do encontro com Zelensky, Trump foi à rede Truth Social e afirmou que um cessar-fogo deveria ocorrer levando em conta as atuais linhas de batalha. “Sangue suficiente já foi derramado, com os limites de território sendo definidos pela guerra e pela coragem. Eles [russos e ucranianos] devem parar onde estão. Que ambos reivindiquem a vitória, que a história decida!”, escreveu.

Trump não percebe que suas oscilações em relação à guerra na Ucrânia tornam a paz ainda mais distante

Informações de bastidores publicadas pela imprensa norte-americana e britânica, no entanto, dão conta de que Trump teria ido muito além da simples sugestão em seu encontro a portas fechadas com Zelensky. Entre gritos e xingamentos, o norte-americano teria pressionado o ucraniano a entregar todo o Donbas (a região do leste ucraniano, parte da qual está ocupada pelos invasores russos) a Putin, pois a Ucrânia estava perdendo a guerra e precisava “chegar a um acordo ou enfrentar a destruição”. Nem Lula, que de fato defende um “plano de paz” que prevê a rendição ucraniana e a entrega de território sem nenhuma garantia real de defesa contra novas agressões, teria feito melhor.

Sendo verdadeiras as informações, Trump estaria mais uma vez comprando o discurso de Putin e fazendo aquilo que um dos maiores ícones republicanos, Ronald Reagan, afirmara em 1985 que os Estados Unidos jamais deveriam fazer: “trair a fé daqueles que estão arriscando suas vidas (…) para desafiar a agressão apoiada pelos soviéticos” – ou, no caso, dos russos, seus herdeiros. Exigir que Zelensky abrisse mão da soberania ucraniana sobre seu território, soberania esta que os Estados Unidos haviam se comprometido a proteger no Memorando de Budapeste, em 1994, seria um passo ainda mais baixo que o bate-boca de fevereiro deste ano.

Mas bastaram poucos dias para que a maré virasse outra vez. Na segunda-feira, dia 20, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, conversou com o chanceler russo, Sergei Lavrov, como preparação para o encontro entre os mandatários. Lavrov, no entanto, afirmou que a Rússia continuava contrária a qualquer tipo de concessão para um acordo de paz, e no dia seguinte Trump anunciou o cancelamento da reunião. “Não quero uma reunião inútil. Não quero perder tempo”, afirmou o presidente dos EUA. Horas depois, a Rússia atacou a infraestrutura energética da Ucrânia; bombardeou alvos civis, acertando uma creche em Kharkiv; e realizou exercícios militares com forças capazes de lançar armas nucleares. Na quarta-feira, os Estados Unidos anunciaram novas sanções contra as duas maiores companhias de petróleo russas, na tentativa de cortar uma das fontes de financiamento da máquina militar russa.

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Obcecado por manter uma contagem dos conflitos que conseguiu interromper ou encerrar de vez, Trump não percebe que suas oscilações em relação à guerra na Ucrânia tornam a paz ainda mais distante. O presidente norte-americano, sabe-se lá por que motivo, é incapaz de reconhecer que a Rússia é o agressor injusto e a Ucrânia, a vítima que merece todo o apoio do Ocidente livre e democrático. Em vez disso, Trump aceita que os russos ignorem suas repetidas demandas por um cessar-fogo e escapem praticamente impunes, ou no máximo com sanções cujo efeito está longe de ser devastador, capaz de convencer Putin a negociar.

Forçar um encerramento da guerra nos termos de Putin não trará paz, mas mero apaziguamento. E dará o sinal verde para muitos outros conflitos expansionistas estourarem pelo mundo, de Taiwan à Guiana. A paz autêntica é aquela que não apenas termina uma guerra fazendo justiça aos lados envolvidos, mas que consegue impedir outras guerras de começarem, mandando aos valentões do mundo a mensagem de que aventuras como a russa não serão toleradas. Mas, para isso, Trump tem de parar com esse vaivém típico de um ego ferido quando lhe dizem “não”, e assumir de vez a tarefa de defender o que é certo e justo.

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