O pacote está concluído. Depende só de detalhes. Quantas vezes o Brasil já ouviu essas afirmações nas últimas semanas, sem que nenhum anúncio fosse feito? Pois o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, repetiu a mesma promessa na noite de domingo, em entrevista concedida ao canal Times Brasil CNBC. Mas, caso finalmente o pacote venha à luz – e são tantos os obstáculos para que isso aconteça que o ceticismo segue plenamente justificado –, outras partes da entrevista de Haddad dão muitos motivos para preocupação.
Se em ocasiões anteriores a justificativa estava na necessidade de bater o martelo com o presidente Lula, ou na resistência dos ministros da área social, alguns dos quais ameaçaram até deixar o governo em caso de cortes em suas pastas, desta vez a principal resistência estaria nas Forças Armadas. O pacote estaria mirando regras previdenciárias dos militares, um grupo que passou pela reforma da Previdência de 2019 mantendo algumas vantagens em comparação com os trabalhadores da iniciativa privada e até mesmo em relação aos servidores públicos civis – em termos proporcionais, o déficit da previdência dos militares é maior que o do INSS e do funcionalismo civil. As reuniões entre as pastas da Fazenda e da Defesa na semana passada terminaram em impasse.
Haddad admite que não desistiu de sua ideia de seguir arrancando ainda mais recursos da economia real, das pessoas e das empresas, para bancar o Estado
Ainda que os dois ministérios se acertem, no entanto, Haddad entregou, em sua entrevista, o que parecem ser as linhas-mestras do eventual pacote: “fazer com que a despesa cresça num ritmo moderado e que a receita seja recomposta”. Ou seja, não estamos falando em efetivamente reduzir gastos, apenas em moderar seu crescimento. E o que seria um “ritmo moderado”? Se for aquele do arcabouço fiscal, que garante aumento acima da inflação todo ano, independentemente do andar da carruagem da economia, o estrago continua contratado, ainda que para mais adiante. E, ao falar em “recompor a despesa”, Haddad também admite que não desistiu de sua ideia de seguir arrancando ainda mais recursos da economia real, das pessoas e das empresas, para bancar o Estado.
Isso é tudo que o petismo tem para oferecer ao país, mas está longe de ser aquilo de que o país realmente necessita. Ainda que alguns subsídios fiscais oferecidos atualmente não se justifiquem – e não é nosso objetivo neste momento analisar a conveniência de cada uma das várias renúncias fiscais que existem hoje no Brasil –, o caminho, no caso brasileiro, não é o de um “ritmo moderado” de crescimento do gasto público, mas o de autênticos cortes: a eliminação de desperdícios, imoralidades, distorções e absurdos. Não basta coibir supersalários, pois o problema é bem mais profundo: está na estrutura inchada do Estado, que ajuda a perpetuar desigualdade ao pagar muito mais que a iniciativa privada em cargos semelhantes; no financiamento público de campanha; nas estatais dependentes que sugam recursos do contribuinte; e em vários outros sorvedouros de dinheiro construídos ao longo de décadas.
Enquanto o governo não consegue um acordo entre seus integrantes, o pacote vai sendo adiado sob as mais diversas justificativas: a reunião do G20 em curso no Rio é só o pretexto mais recente, e outros ainda podem vir. No entanto, se o espírito das medidas é o descrito por Haddad, de seguir buscando novas fontes de arrecadação para bancar um crescimento “moderado” de gastos, nem é preciso haver detalhamento para sabermos que os mercados podem até se acalmar no curto prazo, mas a bomba-relógio segue armada, com a contagem regressiva apenas correndo mais lentamente. Cortes dignos do nome, ao que tudo indica, só com um outro governo que seja bem mais responsável fiscalmente.
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