Ao mesmo tempo em que surgem mais evidências de que a “vitória” de Nicolás Maduro não passou de uma fraude, o ditador intensifica sua repressão contra qualquer um que ouse contestar sua permanência ilegítima no poder, e já não poupa nem mesmo adolescentes e crianças. Enquanto isso, o Brasil continua demonstrando que tem delinquentes morais à frente de sua diplomacia, a começar pelo presidente da República e por seu chanceler de facto, que calam quando deveriam condenar a violência e, quando falam, minimizam ao máximo a situação, como se fosse uma simples controvérsia em que há dois lados com pleitos legítimos.
Nesta semana, o jornal norte-americano The New York Times publicou entrevista com Juan Carlos Delpino, integrante do Conselho Nacional Eleitoral venezuelano e parte da minoria não chavista no órgão. Ele pediu perdão aos venezuelanos por não ter conseguido que o CNE entregasse eleições livres e limpas, e afirmou categoricamente que o órgão eleitoral não tem nenhuma evidência de que Maduro tenha vencido o pleito. Quase simultaneamente, o site Caracas Chronicles publicou reportagem em que militantes chavistas responsáveis por atuar em seções eleitorais disseram ter visto as atas dos locais em que estavam, e que “eles [a oposição] nos deram uma surra”. Confirmaram, ainda, que as atas das seções em que trabalharam batem exatamente com os números divulgados pela oposição democrática, e que não havia razão para duvidar que a campanha de Edmundo González tivesse forjado os outros números.
Qualquer pessoa minimamente sensata a respeito do que ocorre na Venezuela dirá que o país é uma ditadura. Mas, para Lula, há apenas um “governo com viés autoritário” e “um regime muito desagradável”
E, à medida que os venezuelanos se enchem de coragem para ir às ruas pedir que Maduro deixe o poder e o entregue ao verdadeiro vencedor da eleição, a repressão aumenta. ONGs de direitos humanos, advogados e a imprensa internacional afirmam que, entre as mais de 1,7 mil pessoas presas por ordem de Maduro desde que ele se proclamou reeleito, há cerca de 120 menores de idade, levados pelas forças de segurança ou pelos colectivos paramilitares durante os protestos de rua ou no meio da noite, sem mandado. O Washington Post publicou o relato de uma mãe que passou uma noite na prisão com o filho de 5 anos – o outro filho, de 15, segue detido. Há relatos de tortura e restrição a alimentação e visitas.
Ditadura, dirá qualquer pessoa minimamente sensata a respeito do que ocorre na Venezuela. Mas, para Lula, há apenas um “governo com viés autoritário” e “um regime muito desagradável” – desagradável, certamente, para qualquer um que deseje democracia na Venezuela, e muito mais desagradável para quem é censurado, preso e torturado pela ditadura bolivariana, mas não para Lula e seus companheiros do Foro de São Paulo. O petista, poucos dias depois da eleição, ainda teve a audácia de afirmar que a disputa poderia ser resolvida pela Justiça venezuelana: “Tem uma eleição, tem uma pessoa que disse que teve 51%, teve outra pessoa que disse que teve 41%, entra na Justiça e a Justiça faz”. Pois o Tribunal Supremo de Justiça fez... exatamente o que Maduro queria e o que todos imaginavam que ele faria: ratificou a “vitória” do ditador e não apenas considerou dispensável a apresentação das atas, mas criminalizou a divulgação feita pela oposição.
Lula, que adotou a estratégia de condicionar (até o momento) o reconhecimento de um vencedor à divulgação dos resultados por seção eleitoral, não rechaçou a decisão judicial que frustrava seu pedido. Enquanto vários outros líderes latino-americanos, inclusive de esquerda, caso do chileno Gabriel Boric, denunciavam a ação do TSJ, o petista limitava-se a divulgar nota conjunta com o colombiano Gustavo Petro insistindo na ilusão impossível, como uma criança que segue pedindo algo aos pais mesmo depois de ouvir um enfático “não”. Brasil e Colômbia, aliás, silenciaram diante de apresentação, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de relatório detalhando a violência na repressão aos protestos que pedem democracia na Venezuela.
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E o assessor de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, que manda mais nas relações exteriores do país que o chanceler Mauro Vieira, voltou a defender uma ideia tão estúpida que já foi rejeitada tanto por Maduro quanto pela oposição venezuelana: a realização de novas eleições. “Se ambos dizem que venceram com folga, não devem ter medo”, diz o chanceler de facto, repetindo o argumento que já foi demolido por María Corina Machado de forma bem simples: “Já houve uma eleição”. E, apesar de todos os subterfúgios usados pelo chavismo, das ameaças, da compra de votos, da supressão do direito dos venezuelanos no exterior, Maduro perdeu. “Aceitariam isso em seus países? Que, se o resultado não for satisfatório, repitam as eleições?”, questionou a líder oposicionista em 15 de agosto.
A própria ideia de uma nova eleição já é suficientemente absurda em si mesma; a afirmação de que ela demonstra “imparcialidade” de Lula apenas acrescenta uma nova camada de cinismo. Afinal, quem acreditaria na lisura de um novo pleito no qual o chavismo teria a chance de incrementar a fraude para não deixar nem um fio solto? Se combinarmos a sugestão brasileira com a condenação de Lula e Amorim às sanções impostas pelo Ocidente democrático para pressionar o ditador, e com a promessa do assessor de que o Brasil seguirá mantendo relações com a Venezuela mesmo que Maduro jamais apresente as tais atas e tome posse ilegitimamente em janeiro de 2025, não restam dúvidas: a diplomacia brasileira trabalha para o ditador.
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