A menor distância terrestre entre o Paraguai e o Oceano Atlântico é de aproximadamente 730 quilômetros. Pelo menos é assim ao olhar o mapa. Só que o país vizinho, na realidade, está bem mais próximo do mar, graças a uma espécie de enclave localizado no Porto de Paranaguá, no litoral paranaense. Dali até a água são menos de 600 metros, o que dá ao Paraguai uma posição estratégica na logística de exportação de produtos agrícolas. Ao menos na teoria.
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O espaço, formado por dois armazéns graneleiros que somam pouco mais de 12 mil metros quadrados e capacidade estática de 90 mil toneladas, é um entreposto de depósito franco, que permite a armazenagem de mercadoria paraguaia em recinto alfandegado. É fruto de um acordo assinado entre os países em 1957 e chancelado pelo Decreto nº 21 de 24 de julho do mesmo ano, assinado pelo então presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, que repassou à Administración Nacional de Navegación y Puertos (ANNP) o uso da área — na época eram alguns pequenos armazéns na Vila da Madeira e depois foi sendo transferido até chegar ao local atual, no Armazém 8.
A grosso modo, o convênio dá ao Paraguai a liberdade para usar o espaço da maneira que bem entender, respeitando apenas o regramento do porto. Não é muito diferente do que ocorre em outras relações entre países, como a Bolívia que usa portos chilenos e peruanos, ou a Hungria que exporta via porto de Rijeka, na Croácia.
“O fortalecimento dessas relações bilaterais simboliza não apenas uma cooperação, mas uma certa solidariedade entre os países, o que fortalece laços diplomáticos”, explica o professor do curso de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR, João Alfredo Nyegray.
Por muitos anos, a área destinada ao Paraguai foi usada para escoar a produção agrícola, principalmente de soja para a Europa. Foi assim até 2003, quando o então governador do Paraná, Roberto Requião, assinou um decreto proibindo a exportação de produtos transgênicos pelo Porto do Paranaguá — na época passavam 1,5 milhão de toneladas de grãos paraguaios por ano pelos armazéns. A porta de saída para o Atlântico fechou repentinamente e o espaço da ANNP no porto ficou vazio e sem uso.
O Paraguai encontrou uma saída pelos rios e criou uma das principais rotas hidroviárias do mundo para escoamento da produção. A hidrovia Paraguai-Paraná conta com 43 portos até chegar a Rosario, na Argentina, e Montevidéu, no Uruguai. De lá, os grãos seguem para a Europa e outros mercados.
A rota é tão intensa que o Paraguai conta hoje com a terceira maior frota de barcaças fluviais do mundo. E a hidrovia deu tão certo que produtores no Centro-Oeste do Brasil usam essa logística dos rios ao invés de estradas até o Porto de Paranaguá.
Paraguai conta com a terceira maior frota de barcaças fluviais do mundo.
Esse cenário mudou radicalmente a utilização do espaço paraguaio em Paranaguá. Abandonado, a ANNP decidiu entregá-lo à iniciativa privada. O usufrutuário mais recente é o Consórcio Mercosul, formado pela paraguaia Diagro e pela brasileira Cimbessul, que venceu a licitação e cuida do local desde 2013.
Os grãos voltaram, mas não do país vizinho. “Se fossemos depender de carga paraguaia, já tínhamos fechado. Mas continuamos com a preferência para eles”, esclarece o diretor institucional da Cimbessul, Mário Alberto Chaise de Camargo.
A soja é o principal produto que chega aos armazéns, de vários clientes, todos brasileiros. Na lista estão Coamo, Cavalca, Royal, Cargill, entre outros produtores. Em 2023 passaram 930 mil toneladas de grãos pelo espaço. A expectativa é de que neste ano seja superada a marca de 1 milhão de toneladas — só até o início de julho haviam sido contabilizadas 604 mil toneladas.
Novas perspectivas com modal ferroviário
A safra paraguaia de soja pode bater recorde neste ano, mas a solução da exportação via hidrovia pode frear e atrasar os embarques. Isso porque o nível dos rios está cada vez mais baixo, reduzindo a quantidade de carga por barcaça e também a margem de lucro dos exportadores. Esse é um problema que vem se agravando nos últimos anos e que pode, eventualmente, recolocar temporariamente o Porto do Paranaguá na rota de saída dos grãos paraguaios.
“Já estão falando que, se o rio baixar mais, provavelmente vão sair algumas toneladas de carga pelo Brasil. Qualquer dólar que oscile no valor representa uma quantidade considerável para o exportador”, conta Camargo. “Temos feito algumas simulações de frete rodoviário e marítimo para algumas empresas paraguaias, e o valor está muito próximo. Mas até agora não fechamos nenhum contrato”, comenta.
O escoamento via Paranaguá, se acontecer, deve ser pontual, exatamente nos momentos em que a hidrovia não entrega o que é capaz. Mas para que o porto paranaense de fato retorne à logística dos exportadores paraguaios há um caminho bem claro: a Nova Ferroeste.
O projeto do governo do Paraná está em etapa de estudo, com previsão de que a licitação ocorra em 2025. O trecho principal, entre Cascavel e Paranaguá, deve custar R$ 15 bilhões. Para que o Paraguai olhe para Paranaguá será necessária a expansão do ramal entre Cascavel e Foz do Iguaçu, que está prevista no edital, mas para um momento posterior.
“Com esses grandes projetos planejados para o Paraná, como a Nova Ferroeste, se tivermos um corte entre Foz do Iguaçu e Paranaguá pelo modal ferroviário, isso pode mudar completamente”, destaca o diretor-presidente da Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia. “O presidente do Paraguai [Santiago Peña] já demonstrou interesse em voltar a direcionar cargas paraguaias para a porta do Atlântico Sul. Não só ficaria mais barato, como daria mais segurança de perenidade”, prossegue.
Das 42,7 milhões de toneladas de carga exportadas nos portos de Paranaguá e Antonina em 2023, quase metade foi de soja, com 14,7 milhões de toneladas. A possibilidade de somar a soja paraguaia engrossaria significativamente esses números, extrapolando até mesmo a capacidade dos armazéns que pertencem ao país vizinho.
Segundo Garcia, esse cenário só traria benefícios ao porto e à toda região. “Muitos empregos portuários são vinculados com a produtividade. Ganha-se mais com maior movimentação”, diz. “Quando há um fluxo intenso do Paraguai, isso agrega à nossa movimentação e o porto gera mais receita, com retornos para a sociedade, gerando empregos”, completa.
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