Em menos de três anos, a vida da família da fisioterapeuta Joellen Gagliardi deu uma grande virada. O marido dela, Juliano, passou a ter uma série de problemas gástricos, sintomas intestinais intensos e uma investigação constatou que ele tem doença celíaca. Isso significa que Juliano não pode consumir glúten, centeio e cevada.
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“Marquei até uma psicóloga pra ele, porque é um diagnóstico pesado. Tem que aprender a lidar com aquilo e descobre que não basta cortar pão, bolo, cerveja. E a hora que você começar a olhar os rótulos, você pensa que não dá pra comer mais nada. O molho de tomate, o chocolate, a água de coco, o suco, a contaminação cruzada, que até então, a gente não sabia da existência”, relata Joelle. E foi diante da dificuldade que o casal descobriu um promissor horizonte de negócios.
Em dezembro de 2020, Joelle e o marido investiram cerca de R$ 50 mil e abriram um e-commerce para vender produtos sem glúten. Um ano depois, o resultado das vendas on-line foi tão bom que o casal abriu uma loja física, em Curitiba (PR). No final de 2022, a lojinha cresceu e a dupla inaugurou, na mesma cidade, um pequeno mercado onde oferece cerca de 1,2 mil produtos, entre temperos, massas, bebidas, salgadinhos, doces e farinhas para celíacos ou pessoas que, por alguma razão, decidiram cortar o glúten da dieta. Hoje, eles têm sete funcionários e clientes em todos os estados do Brasil. O investimento já se pagou e os planos de crescimento não param. Em três meses inauguram um café, onde vão servir produtos sem glúten para serem consumidos no local, um espaço seguro e livre de contaminação.
No Paraná, existem 38 locais certificados pela Associação dos Celíacos do Paraná (Acelpar). O selo não é obrigatório para os estabelecimentos de alimentação, mas quem passa pelo processo e ganha o certificado oferece aos clientes a certeza de um ambiente seguro. Porém, nem todos os celíacos têm esses locais por perto. E, pelo menos em Curitiba, uma novidade pode garantir um ganho para esse público.
Um projeto de lei que tramita na Câmara de Vereadores institui o passaporte celíaco. De acordo com o vereador Herivelto Oliveira (Cidadania-PR), um dos autores do projeto, a ideia é possibilitar que as pessoas diagnosticadas com a doença celíaca tenham um documento que lhes garanta o direito de levar a própria comida – desde que devidamente certificada - para os estabelecimentos que não ofereçam opções livres de glúten, pensando num aspecto que pouca gente cuida. “Facilitar e proporcionar uma vida social para os celíacos, evitando constrangimentos que eles passam as vezes em restaurantes, em locais públicos”, explica o parlamentar, sobre a iniciativa.
Associações e oportunidades Brasil afora
Assim como a Acelpar, por todo o país existem associações locais para quem tem a doença celíaca. Eles fornecem certificação, com dicas de alimentação, locais seguros para comprar e consumir, receitas e informações pertinentes para quem não pode consumir o glúten. Há, ainda, a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil, a Fenacelbra, que fornece detalhes sobre legislação voltada a esse público.
Atualmente, o foco das leis nacionais ligadas à questão do glúten é voltado principalmente à rotulagem. O último projeto aprovado na Câmara Federal institui a obrigatoriedade do símbolo Grão Cruzado, na parte da frente dos produtos alimentares livres de glúten. A matéria está em trâmite no Senado.
Entendendo a doença celíaca
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos 1% da população do planeta tem a doença celíaca. No Brasil, portanto, são estimadas cerca de 2 milhões de pessoas. Mas, esse número pode ser bem maior, já que muitas não fazem ideia da situação: nem todas apresentam sintomas.
A gastroenterologista Danielle Kiatkoski, especialista em doença celíaca, explica que se trata de uma doença genética autoimune, que pode destruir as vilosidades das mucosas do intestino delgado, o que faz com que o organismo deixe de absorver os nutrientes. Isso pode causar uma série de problemas, como desnutrição, anemia, déficit de crescimento, infertilidade, menopausa precoce, osteoporose e câncer. Ela não tem cura, mas o tratamento consiste em eliminar completamente o glúten da dieta. “É um diagnóstico de saúde e não de doença, porque o paciente tem um ganho absurdo. Toda a dificuldade de comer sem o glúten acaba sendo recompensado porque melhora muita coisa no dia a dia”, argumenta.
A dificuldade de encontrar opções do que comer despertou na nutricionista e confeiteira Christine Valente a vontade de trabalhar com esse segmento. Celíaca diagnosticada há cerca de 20 anos, quando não havia muita informação ou produtos sem glúten, ela percebeu que a vida não seria fácil. E que muitas outras pessoas enfrentavam o mesmo problema. Depois de muito estudo, no ano passado, Christine abriu, em Curitiba, uma fábrica de pizzas e massas, com espaço para servir pequenas refeições seguras para os celíacos. “Eu não vendo só pizzas e massas, eu entrego uma experiência, uma oportunidade de a pessoa comer aquilo que ela foi privada durante muito tempo . E isso é o que mais me traz satisfação”.
Fora a satisfação, Christine percebeu o que outros empreendedores também se deram conta: o mercado sem glúten é promissor. “Eu acho que é uma ótima oportunidade”. E, justifica, acrescentando que o glúten é inflamatório. Por isso, muita gente que pode, opta por não comer a substância. “Eu acredito muito, estou muito satisfeita com o meu negócio e feliz”, conclui.
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