O ex-titular da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba Eduardo Appio admitiu ter feito a ligação telefônica que resultou no afastamento e na remoção do magistrado da condução dos processos ligados à Lava Jato. A autoria da chamada telefônica foi confirmada por Appio durante participação no programa “Dando a Real”, apresentado por Leandro Demori e exibido pela TV Brasil na última terça-feira (24).
Em abril de 2023, Appio ligou de um telefone com o número bloqueado para João Eduardo Barreto Malucelli, filho do desembargador federal Marcelo Malucelli e sócio de Sergio Moro, ex-juiz e senador pelo União Brasil-PR. Na ligação, Appio tentou disfarçar a voz para se passar por outra pessoa, mas foi identificado por João Eduardo.
À época, Appio e o desembargador Marcelo Malucelli tiveram algumas decisões divergentes relacionadas ao advogado Rodrigo Tacla Duran. A ligação, segundo o magistrado, foi uma forma de identificar o grau de parentesco que havia entre João Eduardo e o desembargador, de pai e filho ou tio e sobrinho.
“Se fosse sobrinho, não haveria qualquer problema. Sendo filho, problemas graves. Indícios de corrupção, porque, se Malucelli estava jurisdicionando os processos que afetavam diretamente o interesse do Sergio Moro, Tacla Duran sempre foi o arqui-inimigo de Sergio Moro junto com Roberto Bertolo, então, como que poderia jurisdicionar e ao mesmo tempo o filho ser sócio do Moro?”, questionou Appio.
Appio disse que ligação foi feita de número bloqueado para "combater a corrupção"
Reconhecendo que teve uma conduta inadequada, o magistrado justificou o ato como uma forma de “combate à corrupção”. Appio afirmou que a ligação telefônica acabou atrapalhando o aprofundamento das investigações das condutas tomadas durante a operação Lava Jato.
“Minha obrigação era essa. (...) Era uma checagem de informação, fora do horário de expediente. O rapaz negou que fosse parente do Malucelli e quem gravou a conversa acabou sendo a filha da Rosângela e do Sergio Moro (...) que tem essa união estável já há cinco anos com o filho do Malucelli. Ela gravou a conversa, estavam almoçando juntos em casa. Ela gravou a conversa, botou na mão do pai dela e o pai dela fez o resto", relatou.
Appio disse que ser afastado da Lava Jato foi "uma canelada" de Moro
Appio atribuiu seu afastamento e sua remoção da 13ª Vara Federal de Curitiba a uma ação inicial de Moro, que teria lhe “dado uma canelada com a conivência e o apoio irrestrito de uma parcela importante do Tribunal Regional Federal da 4ª Região”. Questionado se estava arrependido de ter feito a ligação, o juiz disse que, “vendo em retrospectiva, não teria feito [ a ligação]”.
“Evidentemente, acho que o meio foi inadequado. Mas não houve ameaça, não houve constrangimento e o rapaz ainda mentiu dizendo que não era parente. Todavia, claro que a minha permanência lá teria sido importante porque eu poderia ter aprofundado as investigações em torno dessas interceptações telefônicas. Nesse sentido, eu me ressinto”, concluiu.
Em nota enviada à Gazeta do Povo por meio de sua assessoria, o senador Sergio Moro disse que "a entrevista do juiz Appio, com sua confissão tardia de ter, de modo inusitado, ligado para o filho do desembargador que revisava as suas decisões e se apresentado com nome falso, apenas confirma a sua falta de credibilidade, o que se estende as suas fantasiosas denúncias".
Appio foi afastado da Lava Jato em maio de 2023
Em 22 de maio de 2023 o Conselho do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu afastar cautelarmente o juiz Eduardo Appio, então lotado na 13ª Vara Federal de Curitiba e responsável pelos processos da Lava Jato. A decisão atendia a um pedido do desembargador federal Marcelo Malucelli.
Na representação, Malucelli afirmava que seu filho, João Eduardo Barreto Malucelli, teria recebido uma ligação telefônica em tom ameaçador. O conselho do TRF4 considerou, à época, haver indícios de que o Appio fosse o autor do telefonema, que foi gravado pelo filho do desembargador. O vídeo da chamada mostrava o áudio de um interlocutor que se identificava como um funcionário da Justiça Federal e citava dados sigilosos referentes a imposto de renda e despesas médicas de João Eduardo.
Para corregedor-regional, conduta de Appio foi "contrária à dignidade"
Em julho daquele ano, os desembargadores da Corte Especial do TRF-4 decidiram abrir um processo administrativo disciplinar contra o juiz. A decisão, tomada por unanimidade, mantinha o magistrado afastado das funções na vara responsável pelos processos criminais da Operação Lava Jato.
O processo tinha como objetivo apurar uma possível quebra de “decoro das funções da magistratura” por parte de Appio. “Não parece aceitável que um magistrado venha a utilizar-se dessa espécie de artifício. A conduta é contrária à dignidade, à honra e ao decoro das funções da magistratura”, escreveu Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, corregedor-regional, em relatório sobre o processo de Appio.
O magistrado tentou transferir o julgamento de seu caso do TRF-4 para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas teve seu pedido negado pelo corregedor-nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão. Além de manter o afastamento, o corregedor classificou a ligação como uma “conduta gravíssima”.
Ainda assim, pouco mais de uma semana depois o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli anulou a suspeição e determinou que o processo disciplinar saísse do âmbito do tribunal e fosse transferido para o CNJ.
Em acordo com CNJ, Appio reconheceu "conduta imprópria", mas não admitiu ser autor da ligação
Em outubro, o CNJ mediou uma audiência entre Appio e representantes do TRF-4. Na ocasião, o juiz admitiu ter mantido “conduta imprópria” durante o tempo em que foi titular da 13ª Vara Federal de Curitiba – ele, porém, ainda não admitia a autoria do telefone feito para o desembargador federal Marcelo Malucelli.
A audiência resultou em um acordo pelo qual Appio foi definitivamente afastado da vara responsável pela Lava Jato e posteriormente transferido para a 18ª Vara Federal, responsável por processos previdenciários. Tal acordo, no entendimento do ministro Luis Felipe Salomão, foi cumprido integralmente por Appio, o que segundo ele justificaria o arquivamento do processo disciplinar aberto no CNJ.
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