Ícone curitibano, um dos espaços culturais mais importantes do Paraná e, por que não dizer, do Brasil, o Teatro Guaíra ganhou uma nova cara na última semana. De longe, é possível ver que a imponente fachada tem agora uma iluminação especial, cheia de cores projetadas em luzes de LED a preencher toda a estrutura interna visível através das grandes vidraças. Abaixo do painel do artista Poty Lazarotto, uma vitrine apresenta um grupo de manequins vestidos com figurinos de duas coreografias do Balé Teatro Guaíra, Romeu e Julieta e O Grande Circo Místico.
A iniciativa partiu de funcionários do teatro, como forma de preencher um vazio deixado há mais de três meses: em seus 65 anos de história, é a primeira vez que o Guaíra fica fechado para o público. Desde 14 de março, quando foram suspensas todas as atividades do teatro, devido à pandemia do novo coronavírus, não se vê mais a tradicional movimentação na Praça Santos Andrade e seus arredores. Com os números da doença em franca ascensão, ainda não é possível sequer fazer uma estimativa de quando os palcos e a plateia voltarão a ser ocupados.
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“Foi um susto enorme. Na primeira semana após o fechamento a gente teve um apagão, não sabia o que fazer”, recorda a diretora do Centro Cultural Teatro Guaíra, Mônica Rischbieter. Passado o susto, era preciso pensar no que fazer. Ficar de braços cruzados, esperando a situação se resolver, não era uma opção. “Um músico, um bailarino, não pode ficar em casa durante 90 dias sem ensaiar, eles precisam da prática”, observa a diretora. A solução, então, veio de onde a maioria dos setores tem encontrado alternativas para sobreviver: a internet.
Quem deu o primeiro passo nesse sentido foi a Orquestra Sinfônica do Paraná. A um dia de subir ao palco para apresentar o concerto Assim Falou Kubrick, com composições do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, as atividades no teatro foram suspensas. Para não deixar o público na mão, o grupo se reuniu, gravou algumas obras do programa e, uma semana depois, exibiu a apresentação nas redes sociais. Foi a última reunião presencial dos músicos, que seguiram então para o isolamento, como grande parte da população.
Mas o distanciamento não impediu que a música continuasse chegando ao público. Em uma iniciativa inédita, músicos da orquestra, o maestro Stefan Geiger e a cantora Uyara Torrente, cada um de sua residência, gravaram um vídeo da música “O Trenzinho Caipira”, de Heitor Villa-Lobos. Exibido nas redes sociais, o vídeo fez sucesso com mais de 70 mil visualizações, abrindo caminho para outras apresentações. Para celebrar os 35 anos da orquestra, no dia 28 de maio, foi executado o “Parabéns a Você”, com participação de cantores convidados. Dias depois, foi lançado o vídeo de “Carinhoso”, de Pixinguinha, com participação do ator e cantor Alexandre Nero, em uma homenagem aos profissionais de saúde. Longe dos palcos, novos concertos digitais deverão acontecer nos próximos meses.
Aulas, debates e coreografias
Quem também não parou durante o período de isolamento foi o Balé Teatro Guaíra. Desde que as atividades foram suspensas, a companhia vem desenvolvendo uma série de projetos online, que incluem a criação de coreografias, aulas e oficinas. No início do mês, começaram a ser ofertadas aulas para profissionais e estudantes de dança, disponibilizadas gratuitamente nas redes sociais. Antes disso, foi lançado o projeto Diálogos BTG Quarentena, no qual os bailarinos conversam com profissionais renomados sobre aspectos da dança contemporânea. As conversas também são disponibilizadas ao público em geral via redes sociais.
Assim como a Orquestra Sinfônica, o Balé Teatro Guaíra também se viu obrigado a celebrar seu aniversário longe dos palcos pela primeira vez. Os 51 anos foram comemorados no dia 13 de maio com a recriação de um trecho da coreografia Carmen, executada pelos bailarinos de suas residências e veiculada na internet. Antes, foi apresentado o projeto #criaçãoquarentena, em que cada artista criou uma coreografia e todas foram reunidas em uma única montagem de dança contemporânea. "Mais conteúdos estão sendo preparados, mas por enquanto ainda é segredo", garante Mônica.
Já a Escola de Dança Teatro Guaíra, corpo artístico mais antigo do teatro, manteve suas atividades a distância e até participou de um festival virtual no início do mês, com cinco trabalhos ensaiados online pelos professores e gravados pelos alunos em suas casas. A G2 Companhia de Dança, que reúne participantes da terceira idade, também está preparando atividades online.
Reflexões em vídeo
Entre março e abril, quando aconteceria o Festival de Curitiba (adiado para setembro), o Teatro de Comédia do Paraná (TCP), também sediado no Guaíra, estrearia o espetáculo TodoMundo!. Adaptação de um texto do dramaturgo norte-americano Brandon Jacobs-Jenkins, a peça imagina o que acontece quando Deus pede uma inesperada prestação de contas e um balanço de como a humanidade passou seu tempo na terra. Com direção do premiado Rodrigo Portella, o espetáculo não chegou a estrear por conta da pandemia.
Sem os palcos, o grupo acabou optando por criar uma outra versão da obra para a internet. Nasceu então o Dossiê TodoMundo!: a partir do texto que seria encenado, os atores do TCP passaram a criar vídeos nos quais, de maneira contemporânea e bem-humorada, fazem reflexões sobre temas como Deus, morte, família, amizade, coisas e amor. Os vídeos são divulgados às segundas e quartas-feiras, nas redes sociais.
Para Mônica Rischbieter, a despeito de todas as dificuldades impostas pelo momento, o Guaíra tem conseguido fazer um bom trabalho, levando conteúdos de qualidade ao público. “Nós não tínhamos experiência com produção em vídeo, que é algo caro e trabalhoso. Dentro do que a gente tinha, acredito que andamos bastante e temos feito um trabalho bonito. E é importante ver que nesse período as pessoas estão vendo mais coisas e consumindo mais arte, mais cultura.”
Um complexo cultural virtual
Responsável por vários espaços, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) também foi obrigada a se adaptar à realidade da pandemia. Com fechamento desses espaços e cancelamento de todos os eventos, a entidade criou o Programa FCC Digital, que visa manter todas as coordenações de linguagens artísticas e de patrimônio cultural conectadas com seus públicos. “Hoje, o meio virtual é praticamente o nosso palco, a nossa sala de exposições, a nossa sala de cinema, o nosso centro cultural”, diz a presidente da fundação, Ana Cristina de Castro.
De acordo com ela, a fundação já planejava investir em uma maior atuação virtual, o que teve de ser acelerado com o isolamento social. Surgiram então várias iniciativas: Conservatório de MPB, Gibiteca e Casa Hoffmann passaram a oferecer cursos online; a Camerata Antíqua de Curitiba e os grupos de MPB disponibilizaram concertos virtuais inéditos; o Cine Passeio elaborou uma programação virtual; a Casa da Memória criou uma plataforma para consulta do acervo e montou exposições virtuais; e foi lançado o aplicativo do programa Curitiba Lê, com acesso gratuito a obras de autores locais e mais de 200 livros da literatura universal. Foi lançado ainda um edital que selecionou 300 projetos em diversas linguagens para divulgação nas redes sociais.
“A Fundação Cultural de Curitiba está trabalhando para que as atividades culturais não sejam interrompidas, mesmo que de forma virtual, permitindo que a população tenha acesso aos serviços, bem como os artistas continuem produzindo e divulgando sua arte. Vejo que, com muita criatividade e empenho, estamos conseguindo atravessar esse momento”, avalia Ana Cristina. De acordo com ela, mesmo sem uma previsão de retomada das atividades, já estão sendo elaborados protocolos de funcionamento dos espaços culturais para quando a reabertura for possível, ainda que com público reduzido.
Enquanto isso não acontece, a FCC continuará investido em conteúdos digitais, inclusive com o lançamento de mais um edital para projetos audiovisuais a serem divulgados na internet. “Acredito que as pessoas estão ávidas para retomar suas atividades sociais e o meio cultural é um dos que mais proporciona essa sociabilidade, sem falar na riqueza da vivência artística em si para qualquer cidadão. Por isso, certamente os teatros, cinemas e museus voltarão a lotar, ainda que paulatinamente. Porém, acredito também que essas alternativas de promover cultura pelos meios virtuais vieram para ficar”, conclui a presidente.
Cinema na web
A Secretaria de Estado da Comunicação Social e Cultura lançou na última semana um edital que vai selecionar curtas, longas-metragens e telefilmes já finalizados para exibição em plataformas digitais. Serão R$ 200 mil distribuídos da seguinte maneira: R$ 100 mil para 50 curtas e outros R$ 100 mil para 25 longas, todos nos gêneros ficção, documentário e animação. As produções deverão ter sido realizadas por produtores paranaenses nos últimos dez anos e ficarão disponíveis para exibição pelo prazo de dois anos. As inscrições serão abertas no próximo dia 26 e poderão ser feitas até 30 de julho.
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