As negociações envolvendo os governos do Brasil e do Paraguai para a revisão do anexo C do Tratado de Itaipu vai ganhar corpo no mês de setembro, segundo o diretor brasileiro da hidrelétrica, Enio Verri (PT). Nesta semana, o ministro de Relações Exteriores do país vizinho, Rubén Ramírez Lezcano, esteve com o ministro brasileiro Mauro Vieira para tratar do tema.
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Verri afirmou que o assunto começou a ser tratado preliminarmente, e de forma oficial, há cerca de três semanas, durante a solenidade de posse de Justo Zacarías Irún, novo diretor paraguaio da hidrelétrica. “Falei brevemente com o presidente Santiago Peña naquela ocasião e já acertamos que uma reunião (formal) será no mês de setembro para aprofundar o assunto”, disse Verri à reportagem da Gazeta do Povo.
Peña tomou posse na presidência do Paraguai no último dia 15. O início do prazo legal para a revisão do anexo C foi dia 13 de agosto. Está em jogo a definição sobre o uso de cerca de US$ 2 bilhões por ano (mais de R$ 9 bilhões/ano). Até fevereiro deste ano, este valor era destinado ao pagamento da dívida contraída na construção da hidrelétrica, 50 anos atrás. Agora, este pagamento está quitado.
Apesar de os chancelerees dos dois países não terem dado detalhes sobre qual foi o foco na reunião desta semana, Peña disse logo após tomar posse que, em uma conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), propôs que o novo tratado tenha, mais uma vez, a vigência de 50 anos. O presidente do Paraguai também defende uma política de livre comércio para o excedente de energia produzida pelo lado paraguaio da binacional.
No formato atual, tudo o que o país vizinho não utiliza da produção de energia deve ser comercializado, obrigatoriamente, ao Brasil. A abordagem está diretamente associada aos preços pagos atualmente pela energia vendida ao Brasil.
“Do lado de cá, os brasileiros acham que o valor negociado com o Paraguai é caro. O Paraguai, por outro lado, acha que estão vendendo muito barato. É uma conta difícil” .
Diretor brasileiro de Itaipu, Enio Verri (PT)
O presidente paraguaio promete reivindicar valores mais altos que os US$ 16,71 por quilowatt (kW) pagos hoje pelo Brasil para a tarifa de serviços.
Em entrevista à Revista Veja poucos dias antes de tomar posse, Peña voltou a reforçar esse desejo. Disse que o impacto financeiro para os brasileiros seria mínimo e que, ao Paraguai, traria efeitos significativos à economia. “E mesmo com a subida nos preços, a conta brasileira continuaria entre as mais baixas do mundo”, disse Peña, na ocasião.
Governos de Brasil e Paraguai têm divergências sobre Itaipu
Outro aspecto de divergência entre os governos dos dois países será sobre a utilização dos recursos que ficarão no caixa da Itaipu, com a quitação da dívida, que já aconteceu. Com o início do governo Lula 3, o lado brasileiro da hidrelétrica tem defendido a destinação das verbas a projetos com cunho socioambiental, políticas sociais, de desenvolvimento de potencialidades locais e regionais.
Uma das ações que começa a colocar essa política em prática foi o lançamento do programa Itaipu Mais que Energia, que vai liberar R$ 1 bilhão a 35 municípios do Mato Grosso do Sul e aos 399 municípios do Paraná. Esses recursos vieram justamente da quitação da dívida da Itaipu.
O valor, que promete ser liberado com “pouca burocracia”, segundo informações da própria diretoria da Itaipu, está focado em projetos previamente estabelecidos pela usina. A expectativa é que cerca de 70% destes valores, ou seja, quase R$ 700 milhões, estejam nos caixas das prefeituras ainda neste ano.
Paraguai está focado em infraestrutura e logística
Durante encontro com líderes políticos e empresariais brasileiros logo após a posse, Santiago Peña afirmou que vai colocar em prática dois grandes e importantes projetos de infraestrutura e logística. Um deles diz respeito ao traçado da ferrovia para o Corredor Bioceânico, com ligação do Porto de Paranaguá (PR) até Antofogasta, no Chile.
Outro traçado que o Paraguai quer tirar do papel é o da ferrovia Norte-Sul, que passa pela região do Chaco e segue pelo Centro-Oeste brasileiro. Quem adiantou essa intenção do governo paraguaio foi o secretário de Estado de Indústria, Comércio e Serviços do Paraná, Ricardo Barros, durante o evento Paraná em perspectiva: desafios e oportunidades, realizado pela Gazeta do Povo em Curitiba (PR).
A expectativa de autoridades brasileiras é que esse projeto seja desenvolvido com valores vindos do caixa de Itaipu, que é a maior empresa pública do país vizinho.
O deputado federal Nelsinho Padovani (União-Paraná) destacou que os investimentos em infraestrutura em parceria com o Paraguai são essenciais. Padovani esteve com o presidente Peña para tratar do tema há cerca de duas semanas. “O Corredor Bioceânico é essencial para o desenvolvimento de toda a América do Sul, vai encurtar caminho, promover desenvolvimento e baratear cerca de 38% do custo de produção”, afirmou o parlamentar, que é vice-presidente da Comissão Permanente de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados.
Propostas para investimentos
Na tentativa de sensibilizar o governo brasileiro a destinar ao menos parte dos recursos em obras de infraestrutura, a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) criou uma Frente Parlamentar para tratar do tema. O presidente da Frente, deputado estadual Marcel Micheletto (PL), propôs a realização de audiências públicas por todo o estado para ouvir a população sobre a destinação dos valores.
Líderes estaduais também querem falar com o governo paraguaio em uma frente que pode ser liderada pelo governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). “Quer algo mais social do que investir em obras e no desenvolvimento regional? Os investimentos em infraestrutura ficarão e são essenciais para o desenvolvimento de um estado e uma região tão importantes do ponto de vista da produção para o Brasil e para o mundo”, destacou Micheletto.
O diretor brasileiro da hidrelétrica tem reforçado que as decisões sobre aplicação das verbas serão tomadas em comum acordo, envolvendo o alto escalão dos dois países. Caberá aos ministros das Relações Exteriores dos dois países dar sequência ao diálogo. “Se os líderes políticos e empresariais quiserem apresentar uma pauta de reivindicação, ela deve ser levada ao governo federal para que seja tratada a partir de lá, não cabe à diretoria de Itaipu tomar a decisão sobre a aplicação dos recursos”, destacou.
Apesar de ter data para iniciar, a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu não tem previsão para ser concluída. Isso porque há um longo caminho pela frente. As propostas para designação dos recursos, em comum acordo, deverão passar pelo crivo dos representantes dos governos brasileiro e paraguaio. Na sequência, passam pela diretoria da hidrelétrica, pelos governos federais de ambos os países para, então, ser apreciada pelos respectivos Congresso de cada um dos países. “Acreditamos que isso possa levar uns três anos ou mais”, destacou Verri. Até lá, as regras que valem são as que constam no atual tratado.
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