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Lago de Itaipu, no rio Paraná, é um dos principais acessos à maconha traficada do Paraguai para o Brasil.
Lago de Itaipu, no rio Paraná, é um dos principais acessos à maconha traficada do Paraguai para o Brasil.| Foto: BPFron/Divulgação

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não havia decidido pela descriminalização da maconha para uso pessoal em até 40 gramas para diferenciar usuários de traficante e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrava um recorde histórico de apreensões da droga na região de fronteira com o Paraguai, pelo estado do Paraná.

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De janeiro a junho foram 127,4 toneladas apreendidas somente nas estradas paranaenses: média de quase 1,5 tonelada a cada dois dias e aumento de 61,1% em relação ao mesmo período do ano anterior. O volume no primeiro semestre quase equivale a tudo o que foi retirado de circulação em 2022, quando foi registrada a apreensão de 131 toneladas de maconha. O estado tem uma vasta área de fronteira com o Paraguai, principal fornecedor do entorpecente ao Brasil.

O combate a um dos principais crimes transfronteiriços promete piorar com a descriminalização da maconha, impondo novos mecanismos de fiscalização e controle. “Temos uma vulnerabilidade na fronteira e vai aumentar o tráfico internacional. A descriminalização para consumo pessoal incentiva o uso e, consequentemente, aquece o mercado, necessitando de mais produto, que certamente entrará pela fronteira, exigindo mais e novas formas de enfrentamento”, avalia o policial rodoviário federal aposentado Sérgio Leonardo Gomes, que por anos atuou no serviço de inteligência da PRF na região.

Gomes preside o Conselho Municipal de Segurança em Cascavel, cidade distante 125 quilômetros do Paraguai, mas ainda considerada região de fronteira. A quinta maior cidade do Paraná, com quase 350 mil habitantes, tem convivido com problemas crescentes provocados pelo tráfico internacional. E a descriminalização da maconha está atrelada a outro efeito negativo, na avaliação de Gomes: o avanço das facções nas regiões de fronteira e de centros operacionais para o crime.

O município de Cascavel é um entroncamento rodoviário por onde passam - e há registros de apreensões de vulto - de maconha e de outras drogas ilícitas, além de ser o corredor de escoamento do bilionário mercado de cigarros contrabandeados. Cortam a cidade as BRs 163 (que liga o Brasil de Norte a Sul); 277 (que cruza o estado de ponta a ponta, até o porto de Paranaguá, um dos canais para o tráfico internacional de entorpecentes; e 369 (de acesso aos estados São Paulo e Rio de Janeiro, considerados os maiores centros consumidores do Brasil).

“A cidade é um importante entroncamento rodoviário e logístico para o tráfico e isso tem fomentado facções criminosas, tanto é que neste ano vimos os homicídios avançarem de forma preocupante, muitos por disputas de espaço e de poder”, evidenciou o especialista.

Em 2023, Cascavel registrou 26 homicídios, enquanto nos seis primeiros meses deste ano o número já ultrapassou 40 casos. “O tráfico ganha um novo fôlego trazendo mais perigo à fronteira e nisso entram cidades próximas, como Cascavel, maior município da região. Antes de circular pelas rodovias, temos muitos quilômetros de fronteira pelo rio Paraná, difícil de ser fiscalizado e onde há falta de profissionais da segurança”, alertou o policial aposentado.

Narcotráfico domina Lago de Itaipu sem fiscalização da Marinha

O lago de Itaipu, na fronteira com o país vizinho, é frequentado por criminosos que passam dia e noite indo e vindo com barcos e lanchas lotados com produtos ilegais. O destaque fica com o narcotráfico, o tráfico de armas e o contrabando de cigarros. “Nunca entendemos porque a Marinha brasileira não faz a segurança no lago de Itaipu [no rio Paraná]. Sempre fizemos esses questionamentos, pedimos essa fiscalização, mas nunca nos foi explicado pela Marinha que é quem deveria estar ali, cuidando, monitorando, atuando”, criticou Gomes.

Sem a presença efetiva da Marinha no lago, a fiscalização fica por conta dos Núcleos de Polícia Marítima da Polícia Federal (Nepom), Foz do Iguaçu e em Guaíra, ambos no Paraná. Além deles, há monitoramento com o Batalhão da Polícia de Fronteira (BPFron) da Polícia Militar do Paraná, com sede em Marechal Cândido Rondon, outro município beira-lago e rota dos criminosos.

Marinha refuta críticas e reitera trabalho na fronteira

Em contato com a reportagem da Gazeta do Povo, o Comando do 8º Distrito Naval afirmou que a Marinha do Brasil "faz-se presente diariamente, trabalhando de modo autônomo ou, por vezes, em conjunto com outras forças de segurança", mencionando ter efetivado, no ano passado, 300 missões de patrulhamento naval, "com uso inclusive de embarcações blindadas e apoio aéreo (uso de helicóptero da MB e drones), ampliando a capacidade de varredura visual na região. Tais ações resultaram em significativas apreensões de ilícitos, entre cigarros, entorpecentes e produtos oriundos de descaminho", acrescentou o órgão.

A Marinha evidenciou que, ainda em 2023, entre a foz do Rio Iguaçu e o Lago de Itaipu até o município de Guaíra, foram realizadas abordagens em mais de 1,7 mil embarcações. "Importante ainda mencionar os resultados intangíveis, como efeito dissuasório, evitando ações criminosas, apenas pela presença intensificada das ações da Marinha na região", defendeu o órgão.

Em complemento, a Marinha destacou a operação Iguaçu, em consequência de decreto presidencial emitido em novembro do último ano, com intensificação nas ações de patrulhamento e inspeção naval que, desde então, totalizaram 316 patrulhamentos diuturnos nos rios e lagos da região.

"Fuzileiros navais oriundos de outras regiões também auxiliaram a ampliar as ações de presença na região de Foz do Iguaçu, Santa Helena e Guaíra durante esse período. As ações de patrulhamento na fronteira fluvial ocorrem diariamente, independente de deflagração de operações de Garantia da Lei e da Ordem por parte do governo federal, em cumprimento à missão que é conferida à Marinha", afirmou a instituição.

Cultivo da maconha em ascensão para o tráfico no Paraguai

Para quem está na linha de frente no combate ao tráfico internacional, a descriminalização da maconha traz outro agravante: o risco de intensificação no cultivo da droga no país vizinho. Fontes da Polícia Federal (PF) avaliam que, como a descriminalização deve facilitar a venda do entorpecente nos grandes centros brasileiros, a tendência é para aumento na procura entre fornecedores e necessidade de ampliar cultivos.

Investigações da PF e do Ministério Público de São Paulo indicam que nos últimos anos facções brasileiras têm investido em áreas para o plantio da maconha no Paraguai, eliminando assim os atravessadores. Com aquisição de terras na Bolívia e na Colômbia para cultivo da cocaína, o Primeiro Comando da Capital (PCC) também tem comprado áreas para plantar maconha no Paraguai.

Profissionais ligados ao serviço de inteligência da PF na fronteira também alertam para o aumento iminente da entrada de droga no Brasil porque a descriminalização para consumo promete estimular o “tráfico formiguinha”, com tendência de traficantes se aproveitarem da regulamentação para porte mantendo a quantidade de usuário como parâmetro para destinar a droga à venda, amparados como se fossem usuários. O racicínio é de que pode parecer pouco 40 gramas, mas se várias pessoas traficarem sem parar o dia todo esse volume, chega-se a um montante bem expressivo.

Tráfico de maconha e a sobrecarga às forças de segurança na fronteira

O coronel da reserva remunerada da Polícia Militar do Paraná Alex Erno Breunig, vice-presidente da Assofepar (Associação dos Oficiais da PM e dos Bombeiros Militares do Paraná), alertou para a sobrecarga nos serviços de controle e fiscalização. “O tráfico internacional, que é expressivo, vai aumentar. Se as diversas esferas federal e estadual conseguissem fazer uma fiscalização mais intensa nas fronteiras e rodovias, com prisões e apreensões no atacado, de todas as drogas, teríamos menos varejo para surpreender nos centros das cidades. Mas conheço a complexidade das nossas fronteiras e dos desafios enfrentados por quem está na linha de frente”.

Para o especialista, não se trata de falta de vontade das forças de segurança, mas do avanço indiscriminado das facções. “Há trabalho intenso na região da fronteira, mas existem agravamentos. O Brasil não produz maconha, ela virá de algum lugar. O Paraguai é um dos destaques no fornecimento. Vamos ter mais problema na fronteira e os problemas que já são gigantescos ficarão ainda maiores”, destacou.

Breunig avaliou que o impacto é imediato, de fácil análise por quem atua na segurança pública. “Só existe o tráfico porque existe o uso e só existe esse tráfico porque o rendimento vale o risco”.

Para o coronel da reserva da PM, a legislação e o Estado brasileiro concedem benefícios aos criminosos, promovendo uma espécie de estímulo. “E não é só para o tráfico. Temos benefícios que incentivam a criminalidade. Isso acaba fazendo com que o risco criminal seja menor diante de um lucro bastante grande. Para os marginais vale a pena e fica o risco para a polícia e para a sociedade”, afirmou.

Paraná é porta de entrada para o tráfico, reconhece governo federal

O governo federal reconhece a exposição da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, confirmando que a posição geográfica estratégica do Paraná se torna porta de entrada para o tráfico de drogas. “A extensa fronteira do estado com países vizinhos, como Paraguai e Argentina, facilita o escoamento de drogas para o interior do país”, informou.

Para a PRF, o salto significativo nas apreensões neste ano corresponde a um conjunto de medidas estratégicas que passam por capacitação dos profissionais, uso de inteligência policial e cooperação entre órgãos de segurança. “O uso da inteligência policial se tornou uma ferramenta importante no combate ao tráfico de drogas. Por meio da análise de dados, a PRF consegue identificar os principais focos do tráfico e direcionar suas ações de forma mais eficaz, com abordagens com maior assertividade”, descreveu a corporação.

Atualização

O texto foi atualizado com informações enviadas pela Marinha do Brasil.

Atualizado em 22/07/2024 às 17:58
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