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Enquanto em algumas capitais brasileiras o acesso à rede de esgoto é universalizado, em outras este serviço está disponível para apenas 5% da população.
Enquanto em algumas capitais brasileiras o acesso à rede de esgoto é universalizado, em outras este serviço está disponível para apenas 5% da população.| Foto: Fernando Frazão/Arquivo/ Agência Brasil de Comunicação

Curitiba foi a cidade mais bem colocada no Mapa da Desigualdade Entre as Capitais elaborado pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS). O estudo, feito com todas as capitais brasileiras – exceto Brasília –, leva em conta o desempenho das cidades em 40 quesitos que integram os Indicadores Brasileiros para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os dados utilizados no levantamento são obtidos de fontes oficiais, e retratam a realidade das capitais em áreas como educação, saúde, renda, habitação e saneamento.

A capital paranaense lidera o ranking em dois desses ODSs: acesso à água potável nas moradias e à internet nas escolas do ensino fundamental. Em outros 19 objetivos, Curitiba aparece entre as cinco capitais mais bem colocadas. A cidade alcançou o topo da tabela com 677 pontos em 1.040 possíveis. Porto Velho (RO) ficou na última posição entre as capitais avaliadas, com 373 pontos.

| Instituto Cidades Sustentáveis

Topo do ranking não é da "capital mais igualitária", alerta coordenador do ICS

O bom desempenho no ranking, porém, não significa que Curitiba seja a menos desigual das capitais brasileiras, como alertou o coordenador de Relações Institucionais do Instituto Cidades Sustentáveis, Igor Pantoja. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele explicou que o levantamento tem como objetivo identificar os pontos fortes e os desafios a serem enfrentados pelas principais cidades do país, e não uma análise interna de cada uma dessas cidades.

“Para dizer que Curitiba é a capital menos desigual, ou mais igualitária, seria necessário detalhar mais o mapa, levando-se em conta as diferenças entre os diversos bairros e distritos, como fazemos com a cidade de São Paulo (SP). É possível que haja uma grande desigualdade entre os bairros da cidade, e o mapa não consegue detectar isso. Curitiba alcançou o primeiro lugar entre as capitais por ter bons indicadores. Os meios para atingi-los podem ser compartilhados com outras capitais que não foram tão bem”, explicou.

Curitiba está entre as capitais mais bem colocadas em quesitos de saúde e saneamento

Em quesitos relacionados à saúde, Curitiba obteve posições de destaque. A cidade ficou em segundo lugar em relação à mortalidade infantil e à gravidez na adolescência, atrás apenas de Florianópolis (SC) em ambos os quesitos. A capital do Paraná figura entre as três primeiras em outros dois indicadores importantes: a cobertura vacinal da população, com percentuais inferiores aos de Manaus (AM) e Belo Horizonte (MG); e a longevidade da população, item no qual está muito próxima às capitais mineira, gaúcha e carioca.

“Em Belo Horizonte e Porto Alegre (RS) a expectativa de vida está em 70 anos. No Rio de Janeiro (RJ), 71 e em Curitiba 70. E em Boa Vista (RR) é de apenas 57 anos. Esse é um dado que às vezes fica mais escondido, mas que traduz muito a desigualdade. Essa diferença de 15 anos na idade média ao morrer entre as capitais é uma coisa que chama muito a atenção”, avaliou o coordenador geral do Instituto, Jorge Abrahão.

Outro indicador, ligado ao saneamento básico, reforça a diferença entre as capitais brasileiras. Enquanto São Paulo e Curitiba lideram o percentual de moradias atendidas com redes de esgoto - de, no mínimo, 99,9% segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) -, três capitais do Norte têm menos de 20% de cobertura da rede de esgoto. A pior situação foi verificada em Porto Velho, que de acordo com o mapa tem menos de 6% de moradias ligadas à rede de esgoto.

Em relação ao ODS envolvendo cidades e comunidades sustentáveis, Curitiba e Florianópolis figuram entre as cinco mais bem colocadas em relação à proporção de favelas. Enquanto as capitais do Sul têm cerca de 6% de domicílios nestas condições, Salvador (BA), Manaus e Belém (PA) ocupam a parte de baixo da tabela. A pior situação, de acordo com o levantamento de Aglomerados Subnormais realizado pelo IBGE em 2019, é na capital paraense, onde mais da metade da população mora em favelas.

"Tratado de Tordesilhas horizontal"

Jorge Abrahão chegou a avaliar estas diferenças como “um novo Tratado de Tordesilhas, só que horizontal, separando Norte e Nordeste do restante do Brasil”. Igor Pantoja concorda com o coordenador-geral do ICS, e à Gazeta do Povo elencou problemas históricos como uma possível origem do abismo entre as capitais.

“As cidades do centro-sul do país têm um desenvolvimento urbano que vem sendo gestado e desenvolvido desde o início do século XX. Só que no Nordeste mesmo as cidades com formação territorial anterior foram perdendo força econômica e não conseguiram manter uma trajetória de desenvolvimento urbano. Os investimentos foram concentrados no centro-sul, e isso colaborou para o aumento da desigualdade”, avaliou.

Intercâmbio entre gestores pode ajudar a reduzir desigualdade

Para o coordenador de Relações Institucionais do ICS, é necessário que haja um intercâmbio entre os gestores das capitais para que haja uma troca de experiências entre as cidades. E em alguns quesitos, como a desnutrição infantil, a solução para o problema pode estar literalmente ao lado.

“O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) nos mostrou que o pior índice de desnutrição entre as crianças menores de 5 anos é o de Salvador. E o melhor é o de Teresina (PI), onde há 10 vezes menos crianças desnutridas no que na capital baiana. Então não é algo a se importar lá do Sul, de um local distante. São capitais da mesma região, uma pode aprender com a outra”, comentou.

Curitiba têm desafios a enfrentar nas áreas de erradicação da pobreza e da fome

Apesar da liderança no ranking geral, Curitiba também têm áreas onde as avaliações estão abaixo da média nacional. Indicadores ligados à erradicação da pobreza e da fome, por exemplo, mostram a capital paranaense nas últimas posições segundo o mapa da desigualdade.

A Gazeta do Povo fez um pedido de entrevistas às secretarias relacionadas aos piores índices atingidos pelo município, mas a prefeitura de Curitiba enviou apenas uma nota. No texto, a assessoria de imprensa afirma que a administração municipal “está avaliando cada um dos indicadores do estudo para melhor responder aos desafios de cada um dos resultados apontados pelo estudo”.

A nota elenca uma série de investimentos feitos pela gestão de Rafael Greca (PSD) nas áreas de saúde, segurança alimentar e esporte, alertando que cada um dos indicadores avaliados foi coletado de estudos de anos diferentes. "A gestão do prefeito Rafael Greca tem realizado grandes investimentos em saúde, segurança alimentar e esporte e lazer com ampliação de serviços, abertura de novas unidades, revitalizações e modernização de atendimento", aponta a nota.

Mapa da Desigualdade pode conter dados desatualizados

Em relação ao esporte, a nota da prefeitura destaca que os dados utilizados pelo ICS constam no Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic) tabulado pelo IBGE em 2018 – Curitiba aparece como não tendo nenhum equipamento público para a prática de esportes.

Há uma versão mais atualizada, de 2021, onde o IBGE apurou a existência de 39 desses equipamentos públicos. O dado, porém, não foi utilizado na elaboração do Mapa da Desigualdade Entre as Capitais do ICS.

Questionado pela reportagem, o Instituto Cidades Sustentáveis afirmou que utilizou os dados mais atualizados disponíveis no momento da coleta para a formatação do mapa da desigualdade. “De fato o Munic de 2021 tem o mesmo dado, porém essa é a data de coleta, e não de divulgação. É o mesmo caso do Censo 2022, que ainda não divulgou todos os dados”, explicou o ICS, em nota. O instituto confirmou que fará uma revisão antes da divulgação do próximo mapa.

Porto Velho faz ações para melhorar saneamento básico e coleta de lixo

Em nota, a prefeitura de Porto Velho explicou à Gazeta do Povo que está realizando, desde 2018, estudos de melhoria no saneamento básico. Após audiências públicas e análises do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, a prefeitura deve contratar uma consultoria especializada para auxiliar no processo.

“Atualmente, a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP) trabalha no edital de licitação cujo objetivo é licitar essa grande obra até o final de 2024, levando esgoto e água tratada a todo município de Porto Velho e seus 13 distritos”, afirma a nota.

Sobre o último lugar no ranking da taxa de recuperação de materiais recicláveis – segundo dados de 2021 –, a prefeitura de Porto Velho disse que em novembro de 2023 concluiu a construção de um aterro sanitário, cuja operação segue a legislação federal. “Conseguimos resolver um problema histórico, encerrando os lixões a céu aberto”, garante a prefeitura, que também promove ações de conscientização sobre a coleta seletiva.

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