Trinta e seis saques totalizando R$ 180 mil em 10 minutos. Com os cartões de diversos funcionários fantasmas da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), um único operador de caixa realizava saques simultâneos em tempo recorde em uma maratona monetária para irrigar as contas ocultas do esquema que ficou conhecido como “Diários Secretos” após a série de reportagens da Gazeta do Povo e da RPC. O escândalo de corrupção culminou em mandados de busca e apreensão cumpridos na Alep, no ano de 2010.
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Esse era o modus operandi do posto de atendimento do Banco HSBC, instalado dentro do prédio da Assembleia Legislativa, onde gerentes e operadores de caixa participavam dos desvios de recursos públicos e foram considerados, segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), decisivos para a viabilização do “Diários Secretos”, comandado pelo ex-diretor da Assembleia Abib Miguel, com pagamento dos salários de funcionários fantasmas nomeados de maneira obscura.
De acordo com o MPF, nove funcionários do posto de atendimento e da Agência Centro Cívico participaram do esquema com gestão fraudulenta durante os anos de 2003 a 2010. Eles foram denunciados por crimes contra o sistema financeiro. Além dos operadores de caixa, o Ministério Público aponta que gerentes e supervisores coordenavam os desvios e ainda não repassavam as denúncias de irregularidades ao “compliance” da instituição financeira. Em 2010, os nove suspeitos foram demitidos pelo HSBC, que encerrou as atividades no Brasil em 2015.
Ainda conforme o MPF, os saques das contas fantasmas começaram com o uso dos cartões sem a identificação do suposto cliente no momento da operação bancária com o objetivo de “transparecer, falsamente, que os saques haviam sido efetuados pelos próprios correntistas”. No entanto, a velocidade da retirada chamou a atenção durante o inquérito policial que baseou a denúncia à Justiça Federal.
“A imensa maioria dos saques, efetuados em lote, foi finalizada em poucos minutos, ou seja, com impossibilidade temporal para que fossem adotados os respectivos procedimentos bancários legalmente exigidos, como a conferência dos dados constantes do documento de identidade em comparação com aqueles contidos no cartão, a contagem do dinheiro a ser sacado (em valores normalmente altos) e o registro, no sistema do banco, de cada um dos saques”, apontou o MPF na apresentação da denúncia, em 2018, encaminhada à 14ª Vara Federal de Curitiba.
Um dos operadores de caixa citados realizou 269 saques, no valor total de R$ 1.252.923,81, efetuados por meio da utilização de cartões bancários. Além da retirada de R$ 180 mil em 10 minutos, ele realizou 47 saques em um único dia em três períodos diferentes, o que somou mais de R$ 228 mil, sendo quatro saques de dois minutos, 32 em 13 minutos e 11 em sete minutos.
Em um segundo momento, o MPF afirma que o esquema criminoso passou a utilizar cheques nominais para efetuar os saques das contas onde eram depositados os salários dos servidores fantasmas da Assembleia Legislativa. De acordo com a denúncia, os cheques eram “endossados” para “transparecer que estes compareciam pessoalmente ao Posto de Atendimento Bancário.”
Os cheques possibilitaram que um volume maior de recursos abastecesse o esquema do “Diários Secretos”. O mesmo operador de caixa já citado conseguiu realizar, em março de 2007, mais de 40 saques em 16 minutos, que atingiu R$ 411 mil de retirada ilegal. Na modalidade "cheques", o funcionário fez, ao todo, 276 operações com o desvio de R$ 2,5 milhões no período investigado.
Um outro operador de caixa afirmou, em depoimento à polícia, que o esquema de desvio era de conhecimento dos funcionários do posto de atendimento na Assembleia Legislativa e, também, das pessoas que atuavam na agência próxima ao prédio. “Todas as pessoas que atendiam no PAB do HSBC tinham conhecimento desses fatos, bem como os funcionários da agência Centro Cívico”, declarou.
Denúncias arquivadas contra caixas, mas gerentes podem ser responsabilizadas
Em 2020, a Justiça Federal entendeu que, embora tenha sido operacionalizada por quatro caixas, que tiveram as denúncias arquivadas, o esquema ocorreu por vários anos, “de modo consciente e voluntário”, com a omissão das gerentes Susiane Pinkowski Santos, Silvana Souza Kovalhuk e Rosemari de Cássia Ceronato Perriy, que chefiavam a Agência Centro Cívico e o posto de atendimento bancário da Assembleia Legislativa, respectivamente.
“Omitiram-se ilicitamente de suas funções fiscalizatórias, deixando de efetuar o acompanhamento acerca da regularidade ou não das movimentações registradas rotineiramente nas contas lá mantidas e sobretudo de observar a política de compliance voltada à prevenção e ao combate à prática do crime de lavagem de dinheiro”, aponta a decisão da juíza da 14ª Vara Federal de Curitiba, Sandra Regina Soares, no arquivamento da denúncia contra dois réus, em junho de 2020.
Procurados pela Gazeta do Povo, os advogados Vicente Bomfim e Ana Caroline Montanini responderam, em nota, que “a inocência das gerentes do banco HSBC será devidamente comprovada no decorrer da instrução processual, de forma que aguardará seu encerramento para maiores esclarecimentos.”
Bomfim informou que, no último dia 2 de agosto, o TRF4 acatou o pedido de “correição parcial” da defesa, mas as audiências ainda não foram marcadas, sendo que apenas as oitivas das testemunhas de acusação foram realizadas no processo. Ele explicou que o recurso aceito em segunda instância é pedido quando existe “alguma conturbação no processo”, neste caso, o cerceamento de defesa das gerentes suspeitas de envolvimento no esquema dos “Diários Secretos”.
Em depoimento, uma das caixas denunciadas, mas que teve o processo arquivado pela Justiça, afirma que as gerentes respondiam “que lá na Assembleia trabalhavam diferente” quando questionadas sobre o volume de saques no posto de atendimento e “que Rosemari lhe disse que as pessoas tinham procuração para receber os pagamentos de vários correntistas tanto em relação a cheques quanto em relação a saques com cartão”, porém “não foi conferir essas procurações, porque confiou na gerente.”
A ex-funcionária ainda relata que “viu pessoas chegando com maços de cartão e de cheques e elas conversavam com a Rosemari que vistava os cheques; que quando era com cartão uma mesma pessoa digitava a senha dos diversos cartões; que isso era mensal e ocorria sempre na época do pagamento.”
Advogado de defesa da operadora de caixa e de mais um ex-funcionário do HSBC, Danilo Rodrigues Alves lembrou que, em 2019, contestou o recebimento da denúncia, pois não existem indícios de materialidade e autoria para imputar responsabilidade contra os operadores de caixa. Após a correição, o processo retornou ao magistrado em primeira instância para revisão da decisão, que foi favorável aos ex-funcionários do HSBC.
Segundo Rodrigues Alves, ambos eram acusados de gestão fraudulenta. “Como eles eram operadores de caixa, não têm poder de gestão, então o crime não se aplica para eles”, defende. Ele também disse que o outro argumento que foi aceito para o arquivamento da denúncia foi o excludente de culpabilidade. “Os dois operadores de caixa estavam cumprindo ordens, emanada por superior hierárquico”, argumenta o advogado, que ainda afirma que “nada fugia, à primeira vista, de uma ordem ilegal.”
Ex-supervisor regional de operações da Agência Centro Cívico, Júlio Cesar Beatriz também é acusado pelos crimes contra o sistema financeiro, envolvendo a canalização dos recursos das contas fantasmas ao esquema dos “Diários Secretos”. O MPF afirma que de “modo consciente e voluntário”, ele deixou de comunicar as irregularidades ao setor de compliance do HSBC, “na tentativa de que os fatos permanecessem apenas sob o conhecimento interno e não fossem levados ao conhecimento de órgãos externos, como, por exemplo, o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras].”
Alertado por subordinados, a denúncia aponta que o supervisor teria respondido aos funcionários que estavam “jogando merda no ventilador” e “que este fato poderia trazer consequências graves para todas as partes.”
A defesa de Júlio Cesar Beatriz respondeu que deve se manifestar por meio de nota ainda nesta quarta-feira (30). A reportagem também aguarda um posicionamento da Assembleia Legislativa.
Além do HSBC, o Banco Itaú foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), em 2016, sob a suspeita de que as instituições financeiras viabilizaram a abertura e a movimentação de contas bancárias sem a presença dos titulares. O MP pediu à Justiça o ressarcimento de R$ 501 milhões somados aos dois bancos pelos prejuízos causados aos cofres públicos. As instituições negaram a responsabilidade e o Itaú ainda justificou que as contas correntes migraram com a aquisição do antigo Banestado.
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