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O avanço da desburocratização no Brasil começa a redesenhar o modo como o país enxerga o empreendedorismo. A lógica, antes centrada na concessão de autorizações e alvarás, cede espaço a um modelo em que o poder público se compromete a facilitar — e não a travar — a iniciativa privada. Essa mudança de postura se reflete no novo ranking nacional de liberdade para trabalhar, elaborado pelo Instituto Liberal de São Paulo (ILISP), que aponta o Paraná e Minas Gerais entre os estados mais avançados na dispensa de licenças e alvarás para atividades econômicas de baixo risco.
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O levantamento de 2025 mostra que o Paraná alcançou 975 CNAEs (Classificações Nacionais de Atividades Econômicas) dispensados de autorização prévia, o maior número do país. Logo atrás aparecem Goiás (962), São Paulo (948) e Minas Gerais (915). O estudo, que faz parte do projeto Liberdade para Trabalhar, mede o grau de autonomia concedido a empreendedores que desejam iniciar negócios sem depender de etapas burocráticas ou licenças desnecessárias.
Mais do que um ranking, o levantamento do ILISP funciona como um retrato do avanço — ainda desigual — da Lei de Liberdade Econômica (LLE), aprovada em 2019. Em alguns estados, ela saiu do papel e se tornou política de Estado; em outros, permanece limitada a decretos isolados.
Desburocratização como política pública
No Paraná, o movimento de simplificação administrativa começou com o programa Descomplica Paraná, que transformou a dispensa de licenças em uma política contínua, amparada por integração tecnológica e articulação com os 399 municípios. Segundo Jean Rafael Puchetti Ferreira, presidente do Comitê Permanente de Desburocratização, o objetivo foi alinhar tecnologia, agilidade e segurança jurídica.
“Hoje, o empreendedor que atua em uma atividade de baixo risco pode abrir sua empresa em menos de oito horas, sem sair de casa, por meio de uma plataforma unificada. É um processo pensado para oferecer segurança, sem penalizar quem quer produzir”, afirma.
A iniciativa colocou o Paraná na liderança nacional em liberdade para trabalhar, mas o impacto vai além do reconhecimento. Dados do governo estadual apontam que a simplificação regulatória já resultou em centenas de milhões de reais em economia anual para o setor produtivo, com aumento expressivo na abertura de novas empresas.
Em Minas Gerais, a política segue lógica semelhante, mas com base em um princípio cultural: a confiança no empreendedor. Por meio do programa Minas Livre para Crescer, o estado dispensou 915 atividades de baixo risco de alvarás e autorizações prévias, abrangendo cerca de 72% das empresas registradas. Para Rodrigo Melo, subsecretário de Desburocratização da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a mudança foi profunda.
“Revogamos mais de 1.800 normas que geravam insegurança jurídica. Nosso foco é tratar o empreendedor como parceiro do Estado, e não como um adversário que precisa provar inocência antes de começar a trabalhar”, resume Melo.
Atualmente, 589 dos 853 municípios mineiros já regulamentaram a LLE — o maior número absoluto do país.
A força política da liberdade para trabalhar
O estudo do ILISP evidencia que a diferença entre os estados mais e menos livres para empreender não está apenas na estrutura técnica, mas na disposição política de simplificar. Para Marcelo Faria, CEO do ILISP, o avanço depende menos de recursos e mais de atitude governamental.
“A diferença não é técnica, é de vontade política. Onde há interesse real em valorizar quem produz, as leis avançam; onde prevalece a lógica do controle, tudo trava”, avalia.
Segundo Faria, a baixa adesão municipal à Lei de Liberdade Econômica — menos de 43% dos municípios brasileiros a implementaram efetivamente — é o principal gargalo. “Ainda há regiões em que boa parte da economia local depende de repasses e programas públicos. Isso cria um desincentivo estrutural à liberdade econômica”, afirma.
Mesmo assim, os resultados onde a lei foi adotada são expressivos. Dados compilados pelo ILISP e pelo Instituto Millenium apontam que os municípios que aplicaram a LLE registraram, em média, aumento de 40% nas contratações formais e 89% no número de empresas abertas após a adoção das novas regras.
Modelos que inspiram o país
Tanto o Paraná quanto Minas Gerais transformaram a desburocratização em instrumento de política pública e competitividade econômica. No caso mineiro, o programa Minas Livre para Crescer foi reconhecido nacionalmente por estimular um ambiente favorável à geração de emprego e renda. No Paraná, o avanço do Descomplica consolidou um ecossistema de inovação voltado a reduzir custos e tempo de abertura de negócios.
Para o ILISP, essa convergência entre estados é um sinal de maturidade federativa: “A liberdade para trabalhar não é uma bandeira de governo, mas de sociedade”, diz Faria.
“Quanto mais estados aderirem, mais próximo estaremos de um ambiente em que empreender seja mais fácil do que pedir autorização para trabalhar.”
Apesar dos avanços, especialistas apontam que ainda há entraves. Em muitas regiões, a integração entre esferas estadual e municipal continua fragmentada, o que dificulta a aplicação plena da LLE. Outro desafio é garantir que a dispensa de licenças não signifique fragilidade regulatória — um equilíbrio que exige fiscalização inteligente e transparência de dados.
O consenso entre os estados líderes é que a liberdade para trabalhar não se trata apenas de eliminar papéis, mas de mudar a mentalidade da administração pública. “É um processo que exige confiança no cidadão e eficiência no Estado”, define Puchetti Ferreira. “Não basta digitalizar a burocracia — é preciso repensá-la.”
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